sábado, 23 de janeiro de 2010

Yehuda Amichai

Um Homem e a Sua Vida


Um homem não tem tempo na sua vida
para ter tempo para tudo.
Não tem momentos que cheguem para ter
momentos para todos os propósitos. Eclesiastes
está enganado acerca disto.

Um homem precisa de amar e odiar no mesmo instante,
de rir e chorar com os mesmos olhos,
com as mesmas mãos atirar e juntar pedras,
de fazer amor durante a guerra e guerra durante o amor.
E de odiar e perdoar e lembrar e esquecer,
de planear e confundir, de comer e digerir
que história
leva anos e anos a fazer.

Um homem não tem tempo.
Quando perde procura, quando encontra
esquece, quando esquece ama, quando ama
começa a esquecer.

E a sua alma é erudita, a sua alma
é profissional.
Só o seu corpo permanece sempre
um amador. Tenta e falha,
fica confuso, não aprende nada,
embriagado e cego nos seus prazeres
e nas suas mágoas.

Morrerá como um figo morre no Outono,
Enrugado e cheio de si e doce,
as folhas secando no chão,
os ramos nus apontando para o lugar
onde há tempo para tudo.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Rumi

Assim

Se alguém lhe perguntar como se desvela
a mais perfeita sensação de gozo,
eleve os olhos e diga

Assim.

E quando alguém mencionar
a graça do céu noturno,
suba no telhado, dance e diga

Assim?

Se alguém quiser saber o que é
o espírito ou a essência de Deus,
incline a fronte em sua direção,
mantenha o rosto colado

Assim.

E quando alguém evocar a velha poesia
das nuvens que, aos poucos, encobrem a lua,
afrouxe pouco a pouco os nós da túnica.

Assim?

Se alguém quiser saber como Jesus
levantou os mortos das tumbas,
não tente explicar o milagre.
Beije seus lábios.

Assim. Assim.

E quando alguém perguntar
o que é morrer por amor,
faça um sinal

aqui.

Se alguém quiser saber quão alto é,
hesite, e meça com seus dedos,
os espaços entre as rugas de sua testa.

Deste tamanho.

A alma às vezes larga o corpo,
e então retorna. Se alguém não acreditar,
volte para a minha morada.

Assim.

Quando os amantes sussurram,
estão contando a nossa
 história.

Assim.

Eu sou um céu onde espíritos vivem.
Mergulhe neste azul profundo
onde a brisa espalha segredos

Assim.

Quando alguém perguntar
o que há de se fazer,
acenda a vela em suas mãos.

Como o perfume de José
chegou a Jacó?

Shhhhhhh!

E como retornou
o suspiro de Jacó?

Shhhhhhh!

A brisa suave limpa os olhos.

Assim.

Quando Shams retornar de Tabriz,
seu rosto há-de mostrar-se atrás da porta,
e nos surpreendera.

Assim.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Laura Riding

Abrir os olhos


Pensamento dando para pensamento
faz de alguém um olho.
Um é a mente cega-de-si,
O outro é o pensamento ido
Para ser visto de longe e não sabido.
Assim se faz um universo brevemente.

A suposição imensa nada em círculos,
E cabeças ficam mais sábias
Enquanto notam a grandeza,
e a dimensão imbecil
Espaça a Natureza,

E ouvidos reportam primeiro os ecos
Depois os sons, distinguem palavras
Cujos sentidos chegam por último -
Vocabulários jorram das bocas
Como por encanto.
E assim falsos horizontes se ufanam em ser
Distância na cabeça
Que a cabeça concebe lá fora.

O maravilhar-se que escapa dos olhos,
Regressa a cada lição,
O tudo, antes segredo,
Agora é o conhecível,
A vista da carne, a grandeza da mente.

Mas e quanto ao sigilo,
Pensamento individido, pensando
Um todo simples de ver?
Essa mente morre sempre instantaneamente
Ao prever em si, de repente demais,
A visão evidente demais,
Enquanto lábios sem bocas se abrem
Mundamente atônitos para ensaiar
O verso simples e impronunciável.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Edwin Morgan


Morangos


Nunca houve morangos
como os que tivemos
naquela tarde de incêndio
sentados no batente
da meia-porta aberta
nos entreolhando
teus joelhos presos nos meus
a louça azul em cada colo
e morangos luzindo
ao raio quente
os vertemos no açúcar
entreolhando-nos
sem apressar o banquete
para o próximo
os potes vazios
juntos sobre o batente
com dois garfos cruzados
e reclinei sobre você
suave naquele clima
em meus braços
abandonada como um bebê
de sua boca ávida
sabor de morango
na memória
que de novo reclina
e que eu te ame

e que o sol bata
nosso esquecimento
em hora única
calor intenso
e o preclaro do verão
nas colinas de Kilpatrick

que a tempestade lave a lo
uça

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Wallace Stevens




Conversa à mesa


Morremos de vez, é certo.
Por isso, a vida é uma coisa,
De que acontece, ou não, gostar.

Mas, sendo assim, porque me acontece
Gostar de mato vermelho,
Da erva cinzenta, e do céu verde cinza?

E mais? Mas, vermelho,
Cinzento, verde, porquê, especialmente?
Não foi isso que eu disse:

Não esses especialmente. Apenas esses.
Gostamos do que acontece gostarmos.
Gostamos da maneira como o vermelho cresce.

Não tem nenhuma importância.
Acontecer gostar é uma das maneiras
Que as coisas têm de acontecer.





segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

e. e. cummings




A primavera é como uma talvez mão
(que vem cuidadosamente
de lugar Algum) arrumando
uma janela, pela qual pessoas olham (enquanto
pessoas observam
arrumando e mudando colocando
cuidadosamente ali uma coisa
estranha e aqui uma coisa conhecida) e

mudando tudo cuidadosamente

a primavera é como uma talvez
Mão em uma janela
(movendo cuidadosamente pra lá
e pra cá coisa Nova e
Velha, enquanto
pessoas observam cuidadosamente
movendo uma talvez
fração de flor aqui colocando
uma polegada de ar ali) e

sem quebrar coisa alguma.