domingo, 17 de outubro de 2010

Mia Couto




A despedideira

Quando ele me dirigiu a palavra, nesse primeiríssimo dia, dei conta de que, até então, nunca eu tinha falado com ninguém. O que havia feito era comerciar palavra, em negócio de sentimento. Falar é outra coisa, é essa ponte sagrada em que ficamos pendentes, suspensos sobre o abismo. Falar é outra coisa, vos digo. Dessa vez, com esse homem, na palavra eu me divinizei. Como perfume em que perdesse minha própria aparência. Me solvia na fala, insubstanciada.

Lembro desse encontro, dessa primogénita primeira-vez. Como se aquele momento fosse, afinal, toda minha vida. Aconteceu aqui, neste mesmo pátio em que agora o espero. Era uma tarde boa para a gente existir. O mundo cheirava a casa. O ar por ali parava. A brisa sem voar, quase nidificava. Vez e voz, os olhos e os olhares. Ele, em minha frente, todo chegado como se a sua única viagem tivesse sido para a minha vida.

2 comentários:

  1. http://www.youtube.com/watch?v=sA_7L5olktk&feature=related

    ResponderExcluir
  2. existem preciosidades em nossa língua que tornam esse ato de falar ainda mais bonito. "saudade" es palavra que no hay por acá. mas é só nela que penso desde que cheguei.

    beijocas

    ResponderExcluir