terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Jens Peter Jacobsen



Niels Lyhne
    
       Continua mergulhado em seus estudos, porém sem método, e a idéia de aprontar-se para lutar e aparecer apenas bruxuleia, vacilante. Frequenta muita gente, mas não vive com ninguém; bem que as pessoas lhe interessam, mas ele não faz nenhuma questão de interessar a elas; e sente diminuir dentro de si aquela força que deveria levá-lo a realizar a sua obra, custasse o que custasse. Já se conforma em esperar, mesmo que tenha que esperar até que seja demasiado tarde. Quem tem fé não tem pressa, é a sua desculpa. E ele tem bastante fé, quando vai ao fundo de si mesmo reconhece que tem uma fé capaz de remover montanhas; mas não consegue fazer esse esforço. De vez em quando irrompe nele um impulso criador, um desejo de ver libertada uma parte do seu eu em seu trabalho, e durante dias inteiros concentra-se num alegre e titânico esforço de modelar a argila do seu Adão; mas não consegue nunca dar-lhe a forma do ideal; não tem persistência para manter a concentração exigida por essa tarefa. Durante semanas hesita em abandonar o trabalho, mas acaba sempre por abandoná-lo e pergunta-se por que haveria de continuar: que pode lucrar com isso? Gozou a alegria da concepção, restam-lhe apenas trabalho e disciplina, cuidar, alimentar, levar a bom termo – e para quê, para quem? Ele não é um pelicano... Diga o que disser, porém, fica descontente consigo mesmo e sente que não correspondeu às exigências do seu próprio ser, e de nada lhe adiantam as especulações e as dúvidas sobre os fundamentos dessas exigências. Enfrenta uma opção, e deve optar; pois a vida é assim: passada a primeira mocidade, cedo ou tarde, conforme a natureza de cada um, cedo ou tarde amanhece o dia em que a resignação vem a nós como o Tentador e procura seduzir-nos, procura levar-nos a dizer adeus ao impossível e darmo-nos por satisfeitos. E a resignação tem doces e judiciosas palavras... Quantas vezes não foram derrotadas as aspirações ideais da juventude, quantas vezes seu entusiasmo não foi espezinhado e a sua esperança aniquilada! Os ideais, os claros e luminosos ideais ainda não perderam nada do seu brilho, mas não percorrem mais a terra ao nosso lado, como nos primeiros dias da nossa juventude; pisaram os largos degráus da experiência e subiram de novo ao céu de onde tinham sido retirados pela nossa fé ingênua, e lá se encontram, cintilantes mas distantes, sorridentes mas fatigados, numa ociosidade divina, enquanto o incenso de uma inerte adoração vai se enrolando até o seu trono em solenes espirais. 
         Niels Lyhne estava cansado; tinham-no exaurido esses repetidos preparativos para um salto que nunca era executado, tudo lhe parecia vazio e sem valor, artificial e confuso, e além disso tão mesquinho; achava que o mais natural era tapar os ouvidos e a boca, e aprofundar-se em seus estudos, que nada tinham que ver com o ambiente irrespirável do mundo, que eram para ele como uma quieta profundeza marinha, com pacíficas florestas de algas e estranhos animais.