quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Blaise Pascal





Pensamentos


[139]
Sobrecarregam os homens desde a infância com o cuidado de sua honra, dos bens, dos amigos, e ainda dos bens e da honra dos amigos; cumulam-nos de afazeres, do aprendizado das línguas e de exercícios e se lhes dá  a entender que não conseguiriam ser felizes sem que a sua saúde, honra e fortuna e as de seus amigos, estivessem em bom estado, e que a falta de uma única coisa dessas os tornará infelizes. Assim, são lhes dados encargos e afazeres que os fazem quebrar a cabeça desde o raiar do dia. Aí está, direis, uma estranha maneira de torná-los felizes; que se poderia fazer de melhor para torná-los infelizes? Como, o que se poderia fazer? Bastaria retira-lhes todas essas preocupações, porque então eles se veriam, pensariam naquilo que são, de onde vêm, para onde vão, e assim nunca é demais ocupá-los e desviá-los disso. E eis por que, depois de preparar-lhes tantos afazeres, se ainda tiverem algum tempo livre, aconselha-se que o empreguem em se divertir, e jogar, e ocupar-se sempre por inteiro.

[166]
Corremos despreocupados para o precipício depois de ter colocado alguma coisa à nossa frente para impedir-nos de vê-lo.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Wislawa Szymborska



Sob uma estrela pequenina


Me desculpem o acaso por chamá-lo necessidade.
Me desculpe a necessidade se ainda assim me engano.
Que a felicidade não se ofenda por tomá-la como minha.
Que os mortos me perdoem por luzirem fracamente na memória.
Me desculpe o tempo pelo tanto de mundo ignorado por segundo.
Me desculpe o amor antigo por sentir o novo como primeiro.
Me perdoem, guerras distantes, por trazer flores para casa.
Me perdoem, feridas abertas, por espetar o dedo.
Me desculpem os que chamam das profundezas pelo disco de minuetos.
Me desculpe a gente nas estações pelo sono das cinco da manhã.
Sinto muito, esperança açulada, se às vezes me rio.
Sinto muito, desertos, se não lhes levo uma colher de água.
E você, falcão, há anos o mesmo, na mesma gaiola,
fitando sem movimento sempre o mesmo ponto,
me absolva, mesmo se você for um pássaro empalhado.
Me desculpe a árvore cortada pelas quatro pernas da mesa.
Me desculpem as grandes perguntas pelas respostas pequenas.
Verdade, não me dê excessiva atenção.
Seriedade, me mostre magnanimidade.
Ature, segredo do ser, se eu puxo os fios das suas vestes.
Não me acuse, alma, por tê-la raramente.
Me desculpe tudo, por não poder estar em toda parte.
Me desculpem todos, por não saber ser cada um e cada uma.
Sei que, enquanto viver, nda me justifica
já que barro o caminho para mim mesma.
Não me julgue má, fala, por tomar emprestado palavras patéticas,
e depois me esforçar para fazê-las parecer leves.