terça-feira, 6 de novembro de 2012

Yehuda Amichai



Que pena, éramos uma invenção tão boa

Eles amputaram
As tuas coxas das minhas ancas.
Tanto quanto sei
São todos cirurgiões. Todos eles.

Eles desmantelaram-nos
Um ao outro
Tanto quanto sei
São todos engenheiros. Todos eles.

Que pena. Éramos uma invenção
Tão boa e tão amável.
Um aeroplano feito de um homem e de uma mulher.
Com asas e tudo.
Pairávamos ligeiramente por cima da terra.

Até voávamos um pouco.

Um comentário:

  1. Primeiros encontros
    Arseni Tarkovski

    Todo instante que passávamos juntos
    Era uma celebração, como a Epifania,
    No mundo inteiro, nós dois sozinhos.
    Era mais audaciosa, mais leve que a asa de um
    pássaro,
    Estonteante como uma vertigem, corrias escada abaixo
    Dois degraus por vez, e me conduzias
    Por entre lilases úmidos, até teu domínio,
    No outro lado, para além do espelho.

    Quando chegava a noite eu conseguia a graça,
    Os portões do altar se escancaravam,
    E nossa nudez brilhava na escuridão
    Que caía vagarosa. E ao despertar
    eu dizia, "Abençoada sejas!"
    E sabia que a minha benção era impertinente:
    Dormias,os lilases estendiam-se da mesa
    Para tocar tuas pálpebras com um universo de azul,
    E tu recebias o toque sobre as pálpebras,
    E elas permaneciam imóveis, e tua mão ainda
    estava quente.

    Havia rios vibrantes dentro do cristal,
    Montanhas assomavam por entre a neblina, mares
    espumavam,
    E tu seguravas uma esfera de cristal nas mãos,
    Sentada num trono ainda adormecida,
    E - Deus do céu - tu me pertencias.
    Acordavas e transfiguravas
    As palavras que as pessoas pronunciam todos
    os dias
    E a fala enchia-se até transbordar
    De poder ressonante, e a palavra "tu"
    Descobria seu novo significado: "rei".
    Objetos comuns transfiguravam-se imediatamente,
    Tudo - o jarro, a bacia - quando,
    Entre nós como uma sentinela
    Era colocada a água, laminar e firme.

    Éramos conduzidos, sem saber para onde;
    Como miragens, diante de nós recuavam
    Cidades construídas por milagre,
    Havia hortelã silvestre sob nossos pés,
    Pássaros faziam a mesma rota que nós,
    E no rio peixes nadavam correnteza acima,
    E o céu se desenrolava diante de nossos olhos.

    Enquanto isso o destino seguia nossos passos
    Como um louco de navalha na mão.

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