segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Marcel Proust




Acho que, de repente, a vida nos pareceria maravilhosa se estivéssemos ameaçados de morte como o senhor diz. Pense em quantos projetos, viagens, casos de amor e estudos a vida oculta de nós, tornando-os invisíveis  por causa da nossa preguiça, que, certa de um o futuro, adia-os incessantemente. 
Mas, sob a ameaça da impossibilidade eterna, tudo isso voltaria a ser lindo! Ah! Se o cataclismo não acontecer desta vez, não deixemos de visitar as novas galerias do Louvre, de nos jogar aos pés da Srta. X, de fazer uma viagem à Índia.
O cataclismo não acontece e deixamos de fazer tudo isso porque voltamos ao âmago da nossa vida normal, no qual a negligência arrefece desejo. Mas não deveríamos precisar do cataclismo para amar a vida hoje. Seria suficiente pensar que somos humanos e que a morte pode acontecer esta noite. [...]

Na verdade, todo leitor, quando está lendo, é leitor do seu próprio eu. O trabalho do escritor é simplesmente uma espécie de instrumento ótico oferecido ao leitor para lhe permitir distinguir o que, sem o livro, ele talvez nunca fosse vivenciar em si mesmo. E o reconhecimento em si próprio, por parte do leitor, daquilo que o livro diz é a prova da sua veracidade.[...]

As pessoas de eras passadas parecem infinitamente distantes de nós. Achamos que não temos motivo para lhes atribuir qualquer intenção subjacente além da que elas expressam formalmente; ficamos surpresos ao nos depararmos com um herói homérico cuja emoção é mais ou menos semelhante à que sentirmos hoje (...) é como se imaginássemos que o poeta épico (...) está tão distante de nós quanto um animal em um zoológico. [...]

Ao lermos a nova obra-prima de um homem brilhante, ficamos felizes em descobrir reflexões nossas que havíamos menosprezado, alegrias e tristezas que havíamos reprimido, todo um mundo de sentimentos que havíamos desdenhado e cujo valor nos é repentinamente ensinado por aquele livro. 

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