segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Anton Tchékhov



Angústia
A quem confiar minha tristeza?

" Iona sente, atrás de si, o corpo agitado e a voz trêmula do corcunda. Ouve os insultos que lhe são dirigidos, vê gente, e o sentimento de solidão começa, pouco a pouco, a deixar-lhe o peito. [...]

   Iona fica por muito tempo olhando os pândegos, que vão desaparecendo no escuro saguão. Está novamente só e, de novo, o silêncio desce sobre ele..." [...]

  Iona afasta-se alguns passos, torce o corpo e entrega-se à angústia... Considera inútil dirigir-se às pessoas. Mas, decorridos menos de cinco minutos, endireita-se, sacode a cabeça, como se houvesse sentido uma dor aguda, puxa as rédeas... Não pode mais. [...]

   - Ficou com sede? - Pergunta Iona. 
   - Com sede, sim!
   - Bem... Que lhe faça proveito... Pois é, irmão, e eu perdi um filho... Está ouvindo? Foi essa semana, no hospital... Que coisa! 
   Iona procura ver o efeito que causaram suas palavras, mas não vê nada. O jovem se cobriu até a cabeça e já está dormindo. O velho suspira e se coça... Assim como o jovem quis beber, assim ele quer falar. Vai fazer uma semana que lhe morreu o filho e ele ainda não conversou direito com alguém sobre aquilo... É preciso falar com método, lentamente...
   É preciso contar como o filho adoeceu, como padeceu, o que disse antes de morrer e como ele morreu... É preciso descrever o enterro e a ida ao hospital, para buscar a roupa do defunto. Na aldeia, ficou a filha Aníssia... É preciso falar sobre ela também... De quantas coisas mais poderia falar agora? O ouvinte deve soltar exclamações, suspirar, lamentar,,, E é ainda melhor falar com mulheres. São umas bobas, mas desandam a chorar depois de duas palavras. 
   "É bom ir ver o cavalo", pensa Iona. Sempre há tempo para dormir..."
   Veste-se e vai para a cocheira, onde está seu cavalo. Iona pensa sobre a aveia, o feno, o tempo... Estando sozinho, não pode pensar no filho... Pode-se falar sobre ele com alguém, mas pensar nele sozinho, desenhar mentalmente sua imagem, dá um medo insuportável"...
   - Está mastigando? - pergunta Iona ao cavalo, vendo seus olhos brilhantes. - Ora, mastiga, mastiga... Se não ganharmos para aveia, vamos comer feno... Sim... Já estou velho para trabalhar de cocheiro... O filho é que devia trabalhar, não eu... Era um cocheiro de verdade... Só faltou viver mais...
   Iona permanece algum tempo em silêncio e prossegue:
   - Assim é, irmão, minha eguinha... Não existe mais Kuszmá Iônitch... Foi-se para o outro mundo... Morreu assim, por nada... Agora, vamos dizer, você tem um potrinho, que é teu filho... E, de repente, vamos dizer, esse mesmo potrinho vai para o outro mundo... Dá pena, não é verdade?
   O cavalinho vai mastigando, escuta e sopra na mão do seu amo... Iona anima-se e conta-lhe tudo..."


(1886)
Tradução de Boris Schnaiderman

Um comentário:

  1. https://www.youtube.com/watch?v=8qgPGQdhxrw&list=PLrt7VbxNS8rdk56WbowiHSLfmcX-trTuB

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