quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Edward O. Wilson




A conquista social da Terra - As origens das Artes criativas

Existem agora indícios substanciais de que o comportamento social humano surgiu geneticamente por evolução multinível. Se essa interpretação for correta, e um número crescente de biólogos e antropólogos evolutivos acredita que seja, podemos esperar um conflito constante entre componentes do comportamento favorecidos pela seleção individual e aqueles favorecidos pela seleção de grupo. A seleção no nível individual tende a criar competitividade e comportamento egoísta entre os membros do grupo - em torno de status, acasalamento e acesso aos recursos. Já a seleção entre grupos tende a criar um comportamento desprendido, expresso na maior generosidade e altruísmo, os quais por sua vez promovem uma maior coesão e aumentam a força do grupo como um todo. 

Um resultado inevitável das forças mutuamente contrabalançantes da seleção multinível é a ambiguidade permanente na mente humana individual, levando a inúmeros cenários na forma como as pessoas acasalam, amam, se associam, traem, compartilham, sacrificam, roubam, enganam, se redimem, punem, imploram e decidem. A luta endêmica ao cérebro de cada pessoa, espalhada na vasta superestrutura da evolução cultural, é o manancial das humanidades. Um Shakespeare no mundo das formigas, livre de tal guerra entre honra e traição, e acorrentado pelos comandos rígidos do instinto a um repertório minúsculo de sentimentos, seria capaz de escrever apenas um drama de triunfo e outro de tragédia. As pessoas comuns, no entanto, podem inventar uma infinidade dessas histórias e compor uma sinfonia infinita de ambivalência e estados de espírito. 

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Gilberto Gil





Lamento sertanejo

Por ser de lá
Do sertão, lá do cerrado
Lá do interior do mato
Da caatinga, do roçado

Eu quase não saio
Eu quase não tenho amigo
Eu quase que não consigo
Ficar na cidade sem viver contrariado

Por ser de lá
Na certa, por isso mesmo,
Não gosto de cama mole
Não sei comer sem torresmo
Eu quase não falo
Eu quase não sei de nada
Sou como rês desgarrada
Nessa multidão boiada caminhando a esmo.

https://www.youtube.com/watch?v=O6CQsOI2qMg

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Eduardo Coutinho




O fim e o princípio - Chico Moisés

Coutinho: - Chico! – Estou aqui. – Ohhh! – Apareceu alguma coisa mais de estranha? – Por quê? Viemos despedir. – Já vai? – Domingo. E... Daí pode ser que a gente não se veja. Gostei muito da conversa. – Ah! E eu tenho prazer. E tão filmando? [ri] – Como é que é? – E tão me filmando? – Porque gostamos da sua conversa. – Gostaram? – É! Se não, não voltava. – E todo tempo se vo... se achou que gostou, adonde tivé, pode me chamar que eu tou pronto também, para dizer a mesma coisa. – Que bom! Daqui um ano, quando o filme tiver pronto... – Daqui um ano? - ... a gente volta. – Ahhh! – Quê? – Eu não garanto que eu tô vivo. – Por quê? – Porque não. – Por quê? – Por eu! Porque sinto! – Pela saúde? – É! – Tem que ter fé e se tratar. – Fé?!! Fé?!! Se fosse por fé, eu já tava no caminho do céu. [silêncio] Agora desse lado é mió, né? – por que que cê diz isso? – Não. Por causa da mudança. Olha aí! Olha aí!! [ri, gargalha] – O senhor preparou uma mudança, hein? – Ah, sim!!! – O senhor podia ser ator de cinema. – Não! – O senhor mesmo que fez a mudança. Nunca vi... – Mas mesmo que eu fosse, se eu nunca trabalhei, se eu nunca fiz isso, pra que? Ora! O senhor que tá dizendo. – O senhor que mudou... que fez a mudança! – Não! Fiz a mudança por que? – Por que? – Porque eu tô cansado, sabe? – E fazer essa mudança descansa? – É... Ou fica bonito, ou feio. [ri] – Tem um perfil, agora têm outro, não é isso? – Isso! [rindo] – Um dos dois vai segurar... – Mas rapaz, será possível que você peleja para me pegar e nunca pega? E sempre eu vou continuando... sempre, na mesma linha? – Por que será? – Eu sei! Que o sabido é o senhor! – Por quê? – Porque é! [pausa] – Por quê? – Ora! Se eu fosse sabido, eu que andava... filmando e procurando as pessoas. [Coutinho ri] Errei? – Não. Mas eu vim procurar o senhor porque o senhor é sabido também... – Eu sei. Acha que eu sou sabido? – Acho. – Como? Só porque eu tô sendo filmado assim? Porque... esses homens... é o jeito. – Não. Mesmo sem filmar, se eu conversasse com o senhor, eu via que o senhor tem umas ideias interessantes, que o senhor pensava... – Que pena! Né? E o que sei e não disse? Só fiz começar. [pausa] Cê já entendeu tudo. – Entendi? – Entendeu. Quem foi o primeiro que chegou aqui? Não foi o senhor? Então? [silêncio. Chico sorri, gargalha] Mas é bom falar com a pessoa sabida! Ele fica só... só ali... e fosse... Se fosse não, é mais que investigador, locutor, sabedoria científica, o senhor é. Mas tudo é sabedoria o que tem aqui. Tudo é sabedoria! – Tudo. – E tudo inteligente. Aí pegou esse matuto véi aqui, conversando esse tipo de coisa... Não sei se eu sei. Penso que sei. Será que sei? – Boa pergunta. – É... – Certeza não tem mais... – Não. A certeza é a que eu disse: Ver com os olhos e pegar com a mão. E aqui eu tô vendo. Só não pego com a mão porque não quero tocar. Mas eu tô vendo. – Pode tocar. [ri] – Mas tu... não é Deus! [ gargalha] 

https://www.youtube.com/watch?v=dIAV_yLz_sI