domingo, 29 de abril de 2018

Wislawa Szymborska



[um amor feliz]
Wislawa Szymborska

Pensamentos que me visitam nas ruas movimentadas

Rostos.
Bilhões de rostos na face da Terra.
Dizem que cada um diferente
dos que existiram ou existirão
Mas a Natureza – quem lá entende -,
talvez cansada do trabalho incessante,
repete suas antigas ideias
e nos coloca rostos
já usados um dia.

Talvez você cruze um Arquimedes de jeans,
a tzarina Catarina com roupas de liquidação,
algum faraó de pasta e de óculos.

A viúva de um sapateiro descalço
de uma Varsóvia ainda pequenina,
um mestre da gruta de Altamira
indo com os netos ao zoológico,
um vândalo cabeludo, ao museu,
deslumbra-se um pouco.

Uns que tombaram duzentos séculos atrás,
cinco séculos atrás
e meio século atrás.

Alguém transportado aqui numa carruagem dourada,
alguém num vagão de extermínio,
Montezuma, Confúcio, Nabucodonosor,
suas babás, lavadeiras, e Semíramis,
que fala somente inglês.

Bilhões de rostos na face da Terra.
O teu, o meu, o rosto de quem –
você nunca vai saber.
Talvez a Natureza precise enganar,
e para dar conta de prazos e demandas,
comece a pescar aquilo que está submerso
no espelho da desmemoria.


Fotografia: Mario Cravo

Gavin Francis


Da cabeça aos pés
Histórias do corpo humano

2 – Olho: o renascimento da visão

   De todas as coisas que me aconteceram, acho que a menos importante foi ter sido cego.

James Joyce, tal como citado por J.L. Borges


Se você estiver sentado lendo este livro à luz solar, os fótons que chegam à sua retina nasceram há apenas oito minutos e meio, por meio de fusão no núcleo do Sol. Há cinco minutos eles passaram como um raio pela órbita de Mercúrio, há dois minutos deixaram Vênus para trás. Os que não foram interceptados pela Terra passarão pela órbita de Marte daqui a cerca de quatro minutos, e pela de Saturno dentro de pouco mais de uma hora. Depois dessa viagem através do espaço, num tempo imutável (porque, como Einstein compreendeu, por se mover à velocidade da luz, o tempo é imobilizado), a luz branca do Sol envolve o mundo à nossa volta e se fragmenta numa dispersão multicolorida. Essa dispersão é afunilada pela córnea e o cristalino do olho antes de tombar na rede de segurança da retina. A energia desse impacto faz com que proteínas dentro da rede se curvem, iniciando uma reação em cadeia, a qual, se proteínas suficientes se torcerem, leva à excitação de um único nervo da retina e à percepção de uma única centelha de luz.

Podemos saborear o que está em nossas bocas, tocar o que está ao nosso alcance, sentir cheiros a centenas de metros e ouvir coisas a dezenas de quilômetros. Mas é somente através da visão que estamos em comunicação com o Sol e as estrelas. 
Fotografia: Martin Chambi

sábado, 28 de abril de 2018

Leonard Mlodinow



Subliminar
2 – Sentidos + mente = realidade

O olho que vê não é um mero órgão físico, mas uma forma de percepção condicionada pela tradição na qual seu possuidor foi criado.
Ruth Benedict
·        

·    Todas as nossas percepções devem ser consideradas ilusões. Isso porque só percebemos o mundo de forma indireta, processando e interpretando os dados brutos dos nossos sentidos. É isso que nosso inconsciente processa para nós – criando um modelo do mundo. Ou, como dizia Kant, há Das Ding na sich, as coisas como elas são, e Das Ding fur uns, as coisas como as conhecemos. Por exemplo, quando olhamos ao redor, temos a sensação de estar vendo um espaço tridimensional. Mas não percebemos diretamente essas três dimensões. O cérebro vê um conjunto de dados planos e bidimensionais na retina e cria a sensação de três dimensões.  [...] Graças a todo esse processamento, quando falamos “Eu vejo a cadeira”, o que na verdade dizemos é que o nosso cérebro criou o modelo mental de uma cadeira.

·     Nosso inconsciente não só interpreta os dados sensoriais, ele os realça. E isso é necessário pois os dados que nossos sentidos transmitem são de qualidade muito baixa e precisam ser consertados para ser úteis. Por exemplo, o chamado “ponto cego”, uma lacuna nos dados que nossos olhos fornecem, um ponto atrás do globo ocular onde se encontra a retina e o cérebro. Isso cria uma região morta no campo de visão dos olhos. Em geral nem percebemos isso, pois nosso cérebro completa a imagem baseado nos dados obtidos da área ao redor.
·      
          O cérebro edita e corta informações visuais recebidas durante os movimentos dos olhos.
· 
    Outra lacuna dos dados brutos transmitidos pelos nossos olhos tem a ver com a visão periférica, que é muito fraca. Na verdade, se você erguer o braço em posição horizontal e olhar para a unha do polegar, vai perceber que a única região do seu campo de visão com boa resolução é a área interna na unha, ou talvez só um contorno.
·      
       Quando você olha para alguém, a imagem real na sua retina seria a de uma pessoa embaçada e trêmula com um buraco negro no meio do rosto. [...] Não é a imagem que você vai ver, porque seu cérebro processa automaticamente os dados, combina a informação dos dois olhos, remove os efeitos dos movimentos rápidos e preenche as lacunas baseado na suposição de que as propriedades visuais das regiões vizinhas sejam semelhantes.

   
    A audição funciona de forma semelhante. Por exemplo, nós preenchemos lacunas de informação auditiva de modo inconsciente. [...] Esse efeito é chamado de restauração fonêmica, conceitualmente análogo ao preenchimento que o cérebro faz quando edita o ponto cego da retina, melhora a baixa resolução da nossa visão periférica – ou preenche lacunas no seu conhecimento do caráter de alguém utilizando postas baseadas na aparência, no grupo étnico ou no fato de a pessoa fazer lembrar o tio Jerry. (Trata-se de uma taquigrafia perceptual muito eficaz – a não ser quando não é, pois às vezes pode levar a graves erros de julgamento. [...] A restauração fonêmica tem uma propriedade impressionante: por se basear no contexto em que você ouviu as palavras, o que você pensa ter ouvido no começo de uma sentença pode ser afetado pelas palavras que vêm no final.
·
       De certa forma, todas as mentes humanas são como um cientista, criando um modelo do mundo ao redor, o mundo cotidiano que nosso cérebro detecta pelos sentidos. Assim como as teorias da gravidade, nosso modelo do mundo dos sentidos é uma aproximação, baseado em conceitos inventados pela mente. Assim como as teorias da gravidade, ainda que nossos modelos mentais acerca do entorno não sejam perfeitos, eles em geral funcionam muito bem .

         O mundo que percebemos é um ambiente artificialmente construído, cujas características e propriedades são ao mesmo tempo produto dos nossos processos mentais inconsciente dos dados reais. A natureza nos ajuda a preencher as lacunas de informação nos dotando de um cérebro que suaviza essas imperfeições, num nível inconsciente, antes mesmo de estarmos conscientes de qualquer percepção. Nosso cérebro faz tudo isso sem um esforço consciente, enquanto nos sentamos numa poltrona saboreando um copo de suco de pera ou bebericando uma cerveja. Aceitamos as visões urdidas pelas nossa mente inconsciente sem questionar, sem perceber que são apenas uma interpretação elaborada para maximizar nossa chance de sobrevivência, mas que, em todos os casos, são a imagem mais acurada possível.

      Isso suscita uma questão à qual voltaremos inúmeras vezes, em contextos que variam da visão à memória e à maneira como julgamos as pessoas que conhecemos: se uma das funções centrais do inconsciente é preencher as lacunas diante da informação incompleta, a fim de construir uma imagem da realidade que nos possa ser útil, o quanto dessa imagem é realmente acurada? Por exemplo, vamos supor que você conheceu alguém. Você tem uma conversa rápida com essa pessoa e, baseado em aparência, maneira de vestir, etnia, sotaque e gestos – talvez em um pouco de pensamento positivo de sua parte -, forma uma avaliação sobre esse indivíduo. Mas quanto você pode confiar que sua imagem é verdadeira ?
·         
FOTOGRAFIA: SALLY MANN

sábado, 21 de abril de 2018

Leonard Mlodinow




O novo inconsciente

O coração tem razões que a própria razão desconhece.
Blaise Pascal

·               Pode ser difícil distinguir um comportamento voluntário e consciente de outro habitual ou automático. Na verdade, como seres humanos, nossa tendência em acreditar nos comportamentos conscientes e motivados é tão forte que vemos consciência não só no nosso comportamento como também no reino animal. Fazemos isso com nossos bichos de estimação, claro. O fenômeno chama-se de antropomorfismo. (e com os bebês).
·         Os seres humanos também desempenham inúmeros comportamentos automáticos, inconscientes, mas tendem a não perceber isso porque a interação entre nossa mente consciente e inconsciente é muito complexa. Essa complexidade tem raiz na fisiologia do nosso cérebro.  Como mamíferos, possuímos outras camadas de córtex erigidas sobre a base do cérebro reptiliano mais primitivo; e, como homens, temos ainda mais matéria cerebral por cima.  Possuímos uma mente inconsciente e, superposta a ela, um cérebro consciente. Quantos de nossos sentimentos, juízos e comportamentos se devem a cada uma dessas estruturas, isso é muito difícil de saber, pois estamos sempre alternando as duas.
·         A grande questão é até que ponto comportamentos mais complexos e substantivos, com grande potencial de impacto sobre nossa vida, são também automáticos – mesmo quando temos certeza de que são racionais e muito bem avaliados.  De que forma nosso inconsciente afeta nossa atitude em questões como: “Qual casa devo comprar? Que ações devo vender? Será que devo contratar essa pessoa para cuidar do meu filho? Será que esses olhos azuis brilhantes que não consigo deixar de olhar são base suficiente para uma relação de amor duradoura?”
·         As interpretações tornaram-se para ela automáticas, não conscientes. Assim como todos entendemos a linguagem falada sem qualquer aplicação consciente das regras da linguística, minha mãe entendia as mensagens do mundo sem qualquer consciência de que suas experiências anteriores tinham moldado suas expectativas para sempre. Ela nunca reconheceu que sua percepção fora distorcida pelo temor sempre presente de que a qualquer momento a justiça, a normalidade e a lógica deixariam de ter força ou significado.
·         Todos temos nossos pontos de referência implícitos que produzem comportamentos e pensamentos rotineiros. Nossas experiências e ações sempre parecem se basear em raciocínios conscientes [...]. Mas embora possam ser invisíveis, ainda assim essas forças exercem uma forte influência.  [...] A revolução atual na maneira de pensar o inconsciente surgiu porque, com instrumentos modernos, podemos observar como diferentes estruturas e subestruturas no cérebro geram sentimentos e emoções; medir a potência de saída elétrica de neurônios individuais; mapear a atividade neural que forma os pensamentos de uma pessoa. Hoje os cientistas podem mais do que conversar com minha mãe e perscrutar como as experiências a afetaram. Agora eles podem identificar as alterações no cérebro resultantes de experiências traumáticas anteriores, como as dela, e entender como essas experiências provocam alterações físicas em regiões do cérebro sensíveis ao estresse.
·         O comportamento humano é produto de um interminável fluxo de percepções, sentimentos e pensamentos, tanto no plano consciente quanto inconsciente. [...] O novo inconsciente tem um papel muito mais importante do que nos proteger de desejos sexuais impróprios (por nossas mães e pais) ou de memórias dolorosas. Trata-se de um legado da evolução crucial para nossa sobrevivência como espécie. O pensamento consciente é de grande valia para projetar um automóvel ou decifrar as leis matemáticas na natureza, mas só a velocidade e a eficiência do inconsciente podem nos salvar na hora de evitar picadas de cobra, carros que entram no nosso caminho ou pessoas que nos fazem mal. Como veremos, para garantir nosso perfeito funcionamento, tanto no mundo físico quanto no social, a natureza determinou que muitos processos de percepção, memória, atenção, aprendizado e julgamento fossem delegados a estruturas cerebrais separadas da percepção consciente.
·         Todos nós tomamos decisões pessoais, financeiras e de negócios confiantes de que pesamos de forma apropriada todos os fatores importantes e agimos de acordo com eles – e que sabemos como chegamos a essas decisões. Mas conhecemos apenas as nossas influências conscientes, e por isso temos apenas uma visão parcial delas. Como resultado, nossa visão de nós mesmos e de nossas motivações, e da sociedade, é como um quebra-cabeça em que falta a maior parte das peças. Nós preenchemos os espaços em branco e fazemos adivinhações, mas a verdade sobre nós é muito mais complexa e sutil do que aquilo que pode ser entendido como um cálculo direto de mentes conscientes e racionais.
·         Nós percebemos, lembramos nossas experiências, fazemos julgamentos e agimos – mas em todas essas atitudes somos influenciados por fatores dos quais não temos consciência.  A verdade é que nossa mente inconsciente está ativa, é independente e tem propósito. Essa mente pode estar oculta, mas seus efeitos são muito visíveis, pois têm um papel crítico na formação da maneira como nossa mente consciente vivencia e responde ao mundo.

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Norbert Elias e John L. Scotson


Os Estabelecidos e os Outsiders 
Posfácio à edição alemã 

As figurações estabelecidos e outsiders possuem regularidades e divergências recorrentes. [...] No fundo sempre se trata do fato de que um grupo exclui outro das chances de poder e status, conseguindo monopolizar essas chances. A exclusão pode variar em modo ou grau, pode ser total ou parcial, mais forte ou mais fraca. Também pode ser recíproca.

Trata-se da questão de por que a necessidade de se destacar dos outros homens, e com isso de descobrir neles algo que se possa olhar de cima para baixo, é tão difundida e enraizada que, entre diversas sociedades existentes na face da Terra, não se encontra praticamente nenhuma que não tenha encontrado um meio tradicional de usar uma outra sociedade como sociedade outsider, como uma espécie de bode expiatório de suas próprias faltas. É assim que os holandeses costumam ver os frísios e os ingleses costumam ver os holandeses - a série de exemplos não tem começo nem fim. Ressaltando a universalidade de relações desse tipo, chama-se atenção para um aspecto da estrutura da personalidade humana para a qual ainda não temos uma conceituação apropriada. Talvez possamos falar da necessidade humana, nunca serenada, de elevar a autoestima, de melhorar o valor da própria pessoa ou do próprio grupo. [...]

Numerosos exemplos ensinam que a insolubilidade de um problema tem mais a ver com a imprecisão do modo de colocá-lo do que com a impossibilidade real de achar uma solução. [...] Através de uma pesquisa sobre perda e ganho de valor nas relações estabelecidos-outsiders nos aproximamos de fato da essência do problema.

Mas por que a necessidade de relações estabelecidos-outsiders, portanto de elevar o próprio grupo e diminuir os outros grupos, é tão difundida que quase não podemos imaginar uma sociedade humana que não tenha desenvolvido, em relação a certos grupos, uma técnica de estigmatização? No fim das contas, essas técnicas parecem ter a ver com o sentido da própria sobrevivência. Os grupos humanos vivem na maioria das vezes com medo uns dos outros, e frequentemente sem conseguirem articular ou esclarecer as razões do seu medo. Eles se observam mutuamente, enquanto se tornam mais fracos ou mais fortes. Sempre que possível, tentam evitar que um grupo vizinho alcance um potencial maior do que o próprio. Sejam quais forem as formas assumidas por essas rivalidades, elas não são subprodutos ocasionais, mas traços estruturais das figurações em que se encontram envolvidos. Tais figurações indicam, em meio a grande variação, determinados aspectos em comum. Um deles é o perigo em potencial que os grupos representam para os outros, e com isso o temor que têm uns dos outros. Nessa situação, a promoção de autoestima coletiva fortalece a integração de um grupo, melhorando suas chances de sobrevivência.

sexta-feira, 6 de abril de 2018

Robert L. Leahy


Livre de Ansiedade
Robert L. Leahy

7 – Transtorno de ansiedade generalizada

Muitos de nossos medos mais profundos são respostas evolutivas a tais perigos. Mas havia outros tipos de perigo - de maior alcance, voltados ao futuro: a escassez de alimentos em certas estações; a possibilidade de ataques de animais, não no momento, mas a horas ou dias de "distância". À medida que a humanidade evoluiu, detectar e responder a esses tipos de perigo se tornou cada vez mais importante. Foi útil estudar os padrões do movimento dos animais, tanto para nos protegermos dos predadores quanto para garantir um estoque de caça. Foi importante saber que tipo de clima esperar em determinadas estações, a fim de colher e plantar de maneira eficiente. Armazenar combustível ou alimentos, construir abrigos, fazer ferramentas ou roupas para uso futuro - tudo isso exigiu planejamento, o que, por sua vez, implicava pensar sobre o futuro - tudo isso exigiu planejamento, o que, por sua vez, implicava pensar sobre o futuro. E é isso exatamente o que as pessoas com Transtorno de ansiedade generalizada tendem a fazer em excesso. Estão sempre pensando à frente, tentando antever o que pode dar errado, o que pode ser ameaça. Esse instinto indubitavelmente manteve muitos de nossos ancestrais vivos e capacitou a raça humana à sobrevivência.

Se não fosse a capacidade de se preocupar, seria improvável que nossos ancestrais primitivos fossem capazes de cultivar a terra. Imagine se você tivesse que plantar e não planejar o futuro, não ter sementes, não arar a terra, não irrigar a terra quando possível. Ou imagine se seus ancestrais nunca guardassem nada, se tivessem de viver apenas com o estritamente necessário. É a capacidade de se preocupar - de planejar, de pensar à frente e de tomar decisões antes de algo terrível acontecer - que permitiu que nossos a nossos ancestrais avançar. A civilização se construiu, parcialmente, a partir dessa capacidade. É por isso que geralmente penso nas pessoas conscienciosas.

Nesse contexto, é claro, a preocupação tem muito sentido. A pessoa que se preocupa, mesmo que de maneira ineficaz, está simplesmente tentando antever e evitar o perigo. Mas, nesses caso, o perigo não está caindo de uma árvore ou surgindo na figura de um crocodilo faminto. Trata-se mais do futuro: como você vai enfrentar a fome? Quais são as consequências sociais de cometer um erro? O que você precisará ter com você se for migrar? Todas as habilidades e competências têm a ver com ser capaz de usar a imaginação. Para certos tipos de pessoas, imaginar um problema indica que de fato há um problema que precisa ser enfrentado. Preocupar-se é simplesmente se preparar para o prior; é a única maneira de evitar todas as coisas terríveis que poderiam acontecer. Preocupar-se era uma estratégia para evitar a catástrofe.

É claro que sabemos que em nossas vidas hoje esse estado de espírito não é em geral eficaz, mas sim paralisante. Isso ocorre porque essa é uma maneira fraca e irreal de lidar com o gerenciamento do risco. Preocupar-se, afinal de contas, é algo que realmente diz respeito ao risco - é uma ferramenta para detectá-lo e administrá-lo. Todavia, sua capacidade de avaliar riscos de maneira acurada está prejudicada, seus instintos de precaução não terão muita utilidade. Você superestimará alguns riscos, e provavelmente não perceberá outros. Se você tratar todos os riscos igualmente, provavelmente acabará se trancando no porão usando um traje de borracha para se proteger da radiação. Ou, em caso menos extremo - preocupando-se todo o tempo a respeito de tudo. Você terá uma sobrecarga de riscos e será incapaz de lidar com qualquer coisa de maneira eficaz.

Da perspectiva da psicologia evolutiva, então, uma mente que se preocupa tem sentido; mesmo que o contexto tenha mudado significativamente desde a época dos caçadores-coletores. Mas, porque algumas pessoas têm maior dificuldade em avaliar riscos de maneira precisa? Não sabemos todas as respostas. Porém, sabemos que há uma certa predisposição genética ao transtorno - de acordo com um estudo, um número equivalente a 38% de casos. Isso não quer dizer que você está condenado a ser uma pessoa preocupada de maneira crônica. Há sempre maneiras de alterar sua perspectiva de modo que sua preocupação não exerça controle sobre sua vida. Mas se você tem uma tendência já arraigada a se preocupar - especialmente se você sempre foi mais ou menos assim - as chances são as de que você nasceu com uma certa predisposição. É bom reconhecer isso, porque, quanto mais claramente você enxergar isso, mais capaz será de lidar com o problema.

Há outros fatores também, sendo o histórico familiar um dos principais. Se seus pais se divorciaram quando você era jovem, sua chance de desenvolver TAG é aproximadamente 70% maior. Isso provavelmente ajuda a explicar por que muitas pessoas que se preocupam tendem a ter obsessões com a possibilidade de um relacionamento acabar, de perder a casa, de insegurança financeira. Se seus pais eram "superprotetores", você terá maior probabilidade de desenvolver o TAG. [...] Acontecimentos recentes podem também agravar a tendência para o TAG. Rompimentos ou problemas de grande monta (divórcios, doenças repentinas, um rompimento com o parceiro) podem desencadear estes sintomas: insônia, tensão, irritabilidade e problemas estomacais, mesmo nas pessoas com históricos anteriores de ansiedade.


Na maior parte dos casos de TAG, possivelmente há uma combinação desses fatores. Você pode ter herdado uma tendência à preocupação, mas também tem tido experiências que a exacerbam. Pode ter tido pais que foram superprotetores ou que projetavam suas preocupações na família. Pode ter experimentado um ou vários traumas quando criança, o que pode ter aumentado suas sensações de insegurança. À medida que você amadureceu e assumiu maiores responsabilidades, pode ter percebido que a conscientização acerca das coisas passou a ser preocupação intensa; uma sensação de responsabilidade levada a extremos. É interessante que cerca de metade das pessoas que se preocupa de maneira crônica começa a ter esse perfil durante a infância ou a adolescência, ao passo que a outra metade começa a se preocupar na idade adulta.