quarta-feira, 23 de junho de 2010

F. Scott Fitzgerald




O Boa-Vida


O ocidente, cinzento quando o boa-vida entrou na garagem, converteu-se num azul rico e vívido, quando Jim acendeu sua solitária lâmpada elétrica. Tornou logo a apagá-la e, acercando-se da janela, apoiou os cotovelos no parapeito e fitou a manhã que surgia. Com o despertar de suas emoções, o que primeiro experimentou foi uma sensação de inutilidade, uma dor surda ante a extrema desolação de sua própria vida. Uma parede erguera-se subitamente em torno dele, encarcerando-o - uma parede tão palpável e definida como a branca parede de seu pobre quarto. E, com a percepção dessa parede, tudo o que tinha constituído o romance de sua existência - sua inteligência, sua despreocupada imprevidência, a miraculosa liberalidade da vida - se dissipou. O boa-vida que caminhava despreocupado por Jackson Street, a cantarolar uma canção indolente, conhecido em todas as casas de chistes locais, às vezes triste devido apenas à própria tristeza e à fuga do tempo - esse boa-vida desapareceu subitamente.

[...]

A rua estava quente às três e mais quente às quatro; a poeira de abril parecia enredar o sol e soltá-lo de novo, uma brincadeira velha como o mundo, repetida sempre numa eternidade de tardes. Mas, às quatro e meia, caiu uma primeira camada de silêncio e as sombras se alongaram debaixo dos toldos e das árvores densamente copadas. Naquele calor nada importava. Toda a vida era apenas um estado da atmosfera, uma espera em meio do calor, onde os acontecimentos não tinham significado, pela fresca do crepúsculo, suave e acariciante como uma mão de mulher sobre uma testa cansada.

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