Uma teoria da prosa
Se estudarmos com relativa
atenção as leis da percepção, não tardaremos a perceber que os atos habituais tendem a se tornar
automáticos. Todos os nossos hábitos provêm da esfera do inconsciente e do
automatismo. Para se dar conta disso, basta lembrar a sensação
experimentada ao segurar uma caneta pela primeira vez, ou quando se começa a
falar uma língua estrangeira, e compará-la à que acompanha o mesmo ato na sua
milésima repetição. As leis da
linguagem cotidiana, com suas frases incompletas e suas palavras pronunciadas
apenas pela metade, se explicam precisamente a partir do automatismo de certos
processos. [...] a vida passa, se anula. A
automatização engole tudo: as coisas, roupas, móveis, a mulher e o medo da
guerra.
Para ressuscitar nossa percepção da vida, para tornar sensíveis as
coisas, para fazer da pedra uma pedra,
existe o que chamamos de arte. O propósito da arte é nos dar uma sensação da coisa, uma sensação que
deve ser a visão e não apenas o
reconhecimento. Para obter tal resultado, a arte se serve de dois
procedimentos: o estranhamento das
coisas e a complicação da forma,
com a qual tende a tornar mais difícil a percepção e prolongar sua duração. Na arte, o processo de percepção é de fato
um fim em si mesmo e deve ser prolongado. A
arte é um meio de experimentar o devir de uma coisa; para ela, o que foi não
tem a menor importância.
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