Aurora
129. A
pretensa luta dos motivos. - Fala-se
da “luta dos motivos”, mas com isso é designado um conflito que não é dos
motivos. Ou seja: antes de um ato se apresentam à nossa consciência reflexiva,
uma após outra, as consequências de
diferentes atos que acreditamos poder realizar, e nós comparamos estas
consequências. Cremos que nos decidimos por um ato ao constatar que suas
consequências serão predominantemente favoráveis; antes que o nosso exame
chegue à esta conclusão, com frequência nos torturamos honestamente, pela
grande dificuldade em descobrir as consequências, e vê-las em toda a sua força,
todas elas, sem erro de omissão: nisso, além do mais, a conta tem de ser
dividida com o acaso. E, para exprimir a dificuldade maior: todas as consequências,
que são tão difíceis de constatar isoladamente, devem ser equilibradas umas em
relação ás outras na mesma balança; mas frequentemente nos falta, para essa
casuística da vantagem, a balança com os pesos, devido às diferenças na qualidade de todas essas possíveis
consequências. Supondo, contudo, que superamos também isso, e o acaso nos tenha
posto na balança consequências mutuamente equilibráveis: então temos de fato,
em nossa imagem das consequências de
determinada ação, um motivo para realizar precisamente esta ação – sim, um motivo! Mas, no instante em que
afinal agimos, com frequência somos condicionados por um gênero de motivos
diverso daquele que aqui falamos, o da “imagem das consequências”. Intervêm aí
o jogo habitual de nossas forças, ou um pequeno empurrão de alguém que tememos,
veneramos ou amamos, ou a comodidade que prefere fazer o que está à mão, ou uma
excitação da fantasia, provocada no instante decisivo por um trivial
acontecimento qualquer, intervém algo físico, que surge de modo inteiramente
imprevisível, intervém o humor, intervém a irrupção de algum afeto casualmente
pronto a irromper: em suma, intervém motivos que em parte não conhecemos, em
parte, conhecemos muito mal, e que nunca
podemos calcular antes nas suas relações mútuas. É provável que também entre eles ocorra uma luta, um empurrar e
afastar, um subir e abaixar de pesos – e tal seria propriamente a “luta dos
motivos”: - algo para nós completamente invisível e inconsciente. Calculei as
consequências e resultados, e inseri um motivo muito essencial na linha de
combate dos motivos – mas essa linha de combate não a estabeleço, tampouco a
vejo: a luta mesma se acha oculta de mim e igualmente a vitória, como vitória;
pois eu venho a saber o que faço –
mas não o motivo que propriamente venceu. Mas
talvez estejamos habituados a não levar em conta todos esses fenômenos inconscientes,
e cogitar na preparação de um ato somente na medida em que ela é consciente:
assim confundimos a luta dos motivos com a comparação das possíveis
consequências de atos diversos – uma das confusões mais ricas em consequências
e mais nefastas para o desenvolvimento da moral!
https://www.youtube.com/watch?v=xiST9J3CLWY
ResponderExcluirhttps://www.youtube.com/watch?v=CZn-2lOe9Kk
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