sexta-feira, 12 de julho de 2024

Stendhal



O vermelho e o negro 



- “Senhores jurados, o horror do desprezo, que acreditava poder enfrentar no momento da morte, me faz tomar a palavra. Senhores, não tenho a honra de pertencer à sua classe, vêem em mim um camponês que se revoltou conta a baixeza de sua sorte. Não lhes peço nenhuma graça - continuou Julien, firmando a voz. - Não tenho ilusões, a morte me espera: ela será justa. Fui capaz de atentar contra a vida da mulher mais digna de todo o respeito, de todas as homenagens. A senhora de Rênal foi para mim como uma mãe. Meu crime é atroz e foi premeditado. Mereci portanto a morte, senhores jurados. Mas, ainda que fosse menos culpado, vejo homens que, sem se deterem em tudo o que minha juventude pode merecer de piedade, vão querer punir em mim e desencorajar para sempre essa classe de jovens que, nascidos numa classe inferior e de alguma forma oprimidos pela pobreza, têm a sorte de conseguir uma boa educação e a audácia de misturar-se ao que o orgulho dos ricos chama de boa sociedade. Este é o meu crime, senhores, e, na verdade, será punido ainda mais severamente por não ser julgado por meus pares. Não vejo nos bancos dos jurados nenhum camponês enriquecido, mas apenas burgueses indignados…” 

(…) 

“Não existe um direito natural: essa expressão não passa de uma tolice antiga bem digna do promotor que me acusou naquele dia, e cujo antepassado foi enriquecido por um confisco de Luíz XIV. Só há um direito quando há uma lei que proíba de fazer alguma coisa, sob pena de punição. Antes da lei, só era natural a força do leão ou a necessidade… Não, as pessoas honradas não passam de velhacos que tiveram a sorte de não serem apanhados em flagrante delito. O acusador que a sociedade lança foi enriquecido por uma infâmia… Atentei contra a vida de alguém e fui justamente condenado, mas, a não ser por essa ação, o Valenod que me condenou é cem vezes mais nocivo à sociedade. “Pois bem”, continuou Julien, com tristeza mas sem raiva, “apesar de sua avareza, meu pai vale muito mais que todos esses homens! Ele nunca me amou. Acabo de ultrapassar os limites ao desonrá-lo com uma morte infame. Esse medo de ficar sem dinheiro, essa concepção exagerada da maldade humana que chamamos de avareza faz com que ele veja um prodigioso motivo de consolo e de segurança numa quantia de trezentos ou quatrocentos Luíses que posso lhe deixar. Um domingo, depois do jantar, ele mostrará seu ouro a todos os invejosos de Verrières. A esse preço, dirá o seu olhar, qual dentre vocês não ficaria encantado em ter um filho guilhotinado?” 

(…) 

“Amei a verdade… Onde ela está? Por toda parte a hipocrisia, ou pelo menos o charlatanismo, mesmo entre os mais virtuosos, mesmo entre os maiores”, e seus lábios assumiram a expressão de desgosto… “Não, o homem não pode confiar no homem.”


Tradução: Raquel Prado

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