A importância de ser social
Estranha essa nossa situação aqui na Terra. Cada um
de nós chega para uma breve visita, sem saber por quê, parece que ás vezes por
um propósito divino. Do ponto de vista da vida cotidiana, porém, existe uma
coisa que sabemos de fato: que estamos aqui pelo bem dos outros.
Albert Einstein
Minha
mãe estava com 88 anos, ouvia mal e estava quase cega do olho direito – que era
o melhor olho dela. Mas, quando se tratava de perceber as emoções do filho, sua
visão de raios X estava intacta. Ela sempre sabia quando eu estava contente, cansado, entusiasmado ou insatisfeito
só pela expressão de meus olhos. [...] A
linguagem é a uma coisa útil, mas nós seres humanos temos ligações emocionais e sociais que transcendem as palavras, e nos comunicamos – e nos compreendemos – sem
pensamentos conscientes.
A
experiência de se sentir conectado aos
outros parece começar muito cedo.[...] Esquilos não estabelecem bases para
curar a raiva, cobras não ajudam suas semelhantes a atravessar uma estrada, mas
os seres humanos conferem grande importância à bondade. Os cientistas chegaram a descobrir que partes do
nosso cérebro ligadas ao processo de recompensa são estimuladas quando participamos
de atos de cooperação mútua, de
forma que ser bondoso talvez represente uma recompensa em si. Muito antes de conseguirmos verbalizar a
atração ou repulsa, já nos sentimos atraídos pelo bondoso e repelidos pelo
malvado.
Uma das
vantagens de pertencer a uma sociedade coesa,
em que as pessoas ajudam umas às outras, é que o grupo costuma ser mais bem equipado
que um conjunto aleatório de indivíduos para lidar com ameaças externas. As pessoas percebem intuitivamente que existe uma força nos números e se consolam
na companhia de outras, em especial
em tempos de infelicidade e carência.
A participação em grupos de apoio é um reflexo da necessidade humana de se
associar com os outros, de nosso desejo fundamental de apoio, aprovação e
amizade. Somos acima de tudo uma espécie social. [...] As ligações são um
aspecto tão básico da experiência humana que sofremos quando somos privados
delas.
Muitas
línguas têm expressões como “sentimentos feridos”, que comparam
a dor da rejeição social à dor de um ferimento físico. [...] Os cientistas descobriram que a dor social
está também associada a uma estrutura do cérebro chamada córtex cingulado
anterior – a mesma estrutura envolvida no componente emocional da dor física. [...]
Integrantes que tomaram Tylenol tinham reduzido a atividade nas áreas do
cérebro associadas à exclusão social. Aparentemente, o Tylenol conseguiu
reduzir a resposta neural à rejeição social.
A relação entre dor física e
dor social ilustra os vínculos entre nossas emoções e os processos psicológicos
do corpo. A rejeição social não é apenas uma dor emocional, ela afeta nosso ser
físico. Na verdade, as relações sociais são tão importantes para os seres
humanos que a falta de ligações sociais constitui o principal fator de risco
para a saúde, comparando-se aos efeitos de cigarro, pressão arterial alta,
obesidade e falta de atividade física.
Alguns
cientistas acreditam que a necessidade de interação social foi a força motriz
por trás da evolução da inteligência humana superior. [...] Se a inteligência
humana evolui segundo objetivos sociais, nosso QI social deve ser a principal
característica que nos diferencia de outros animais. Em particular, o que
parece especial nos humanos é nosso desejo e capacidade de entender o que
outras pessoas pensam e sentem. Chamada de “Teoria da Mente” ou “ToM”, essa
aptidão dá aos seres humanos um notável poder de compreender o comportamento
passado de outras pessoas e prever como vão se portar diante de circunstâncias
presente e futuras. Embora exista um componente racional e consciente na ToM,
boa parte da nossa “teorização” sobre o que os outros pensam e sentem ocorre de
forma subliminar, resultado de processos rápidos e automáticos da nossa mente inconsciente.
Nossa
tendência de inferir estados mentais automaticamente é tão poderosa que a
aplicamos não só a outras pessoas como também aos animais e até a formas geométricas
inanimadas, como fizeram os bebês de seis meses no estudo com os objetos de
madeira.
É a ToM quem nos possibilita formar grandes
e sofisticados sistemas sociais, de grandes comunidades agrícolas a grandes
corporações nas quais o nosso mundo se baseia.
Os
homens são os únicos animais cujas relações e organização social exigem altos
níveis de ToM individual. À parte a inteligência pura (e a destreza), essa é a
razão por que peixes não conseguem construir barcos e macacos não montam bancas
para vender frutas. A realização dessas façanhas torna os homens seres ímpares
entre os animais. Em nossa espécie, uma ToM rudimentar se desenvolve no
primeiro ano. Aos quatro anos, quase todas as crianças humanas adquiriram a
capacidade de avaliar estados mentais de outras pessoas.
Uma das
medidas da ToM é chamada de intencionalidade.
Um organismo capaz de refletir sobre seu próprio estado mental, sobre suas
convicções e desejos, como “Eu quero um pedaço de assado que minha mãe preparou”.
Se a
ToM possibilita conexão social e exige esse extraordinário poder cerebral, ela
pode explicar por que cientistas descobriram uma curiosa relação entre o
tamanho do cérebro e o tamanho dos grupos sociais entre os mamíferos. Sendo
mais exato, o tamanho do neocórtex de uma espécie – a parte do cérebro que
evoluiu mais recentemente – como percentual do cérebro inteiro dessa espécie
parece estar relacionado ao tamanho do grupo social em que os membros dessa
espécie vivem.
O
tamanho de um grupo entre primatas não humanos é definido pelo número típico de
animais naquilo que podemos chamar de “grupos de cafuné”. [...] Os indivíduos
são seletivos em relação àqueles de quem tratam e por quem são tratados, pois
essas alianças atuam como coalizões para minimizar assédios de outros da mesma
espécie.
Por que
deveria existir uma relação entre a potência do cérebro e o número de membros
de uma rede social? Vamos considerar os círculos humanos, formados por amigos,
parentes e colegas de trabalho. Para continuar significativos, eles não podem
ficar grandes demais para nossa capacidade cognitiva, pois nesse caso não
conseguiremos mais saber quem é quem, o que todos querem, como se relacionam
uns com os outros, quem é confiável, a quem pode pedir um favor, etc.
Nós
outorgamos o Prêmio Nobel a campos científicos como física e química, mas o
cérebro humano também merece uma medalha de ouro por sua extraordinária
capacidade de criar e manter redes sociais como corporações, agências
governamentais e times de basquete, nas quais as pessoas trabalham juntas para
chegar a um objetivo comum com o mínimo possível de mal-entendidos e conflitos.
Talvez 150 seja o tamanho natural dos grupos humanos na natureza, desprovidos
de estruturas organizacionais formais de tecnologia de comunicação. Contudo, em
vista dessas inovações da civilização, já rompemos a barreira natural dos 150
para realizar feitos que somente milhares de seres humanos trabalhando juntos
conseguem efetivar. Claro que a física por trás do Grande Colisor de Hádrons
(LHC, na sigla em inglês), o acelerador de partículas na Suíça, é um monumento
à inteligência humana. Porém, o mesmo se pode dizer da escala e da complexidade
da organização que o construiu – apenas um dos experimentos do LHC exigiu mais
de 2.500 cientistas, engenheiros e técnicos em 37 países, trabalhando juntos,
cooperando para resolver problemas num ambiente complexo e sempre em mutação. A
capacidade de formas organizações aptas a criar tais realizações é tão
impressionante quanto as próprias realizações.
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