A vida secreta da mente
O
contorno da identidade
Como
escolhemos, e o que nos faz confiar (ou não) nos outros e em nossas próprias
decisões?
Nós
somos o que decidimos. Somos aquele que escolhe viver assumindo riscos ou, ao
contrário, de maneira conservadora. Esse conjunto enorme de ações define o
contorno de nossa identidade. Como resumiu José Saramago em Todos os nomes: “A
rigor, não tomamos decisões, as decisões nos tomam a
nós”.
De
maneira imperceptível, como se cada alternativa se decantasse naturalmente,
comparamos o universo de opões possíveis em uma balança mental, pesamos tudo e
por fim decidimos. Nossas decisões se resolvem quase sempre com base em
informação incompleta e dados imprecisos. [...] Só é possível esboçar de
maneira aproximada as futuras consequências daquilo que foi decidido. A
tomada de decisão tem algo de adivinhação, uma certa conjectura sobre um futuro
que é necessariamente impreciso. A máquina funciona. Isso é o mais
extraordinário.
O
cérebro de Turing
O
cérebro decide por meio de uma corrida no córtex parietal.
Como
no procedimento esboçado por Turing, o mecanismo cerebral para tomar decisões
se constrói sobre um princípio extremamente simples: o cérebro elabora uma
paisagem de opções e desencadeia entre elas uma corrida que só terá um
vencedor. Basicamente, o cérebro transforma a informação obtida através dos
sentidos em um conjunto de votos a favor de uma ou outra opção. Os votos se
acumulam até alcançar um limiar no qual o cérebro considera que a coleta de
evidências é suficiente para tomar a decisão.
Três
princípios para a tomada de decisão – fruto do registro da atividade neuronal
dos pesquisados (correntes elétricas no cérebro).
1) Um
conjunto de neurônios do córtex visual recebe informações dos órgãos
sensoriais. O neurônio responde mais quando a nuvem de pontos se move em uma
determinada direção. A cada instante, a corrente do neurônio (sua intensidade)
reflete a quantidade e a direção do movimento, mas não cumula a história dessas
observações.
2) Os
neurônios sensoriais se conectam com outros neurônios do córtex parietal que
acumulam essa informação no tempo. Assim, os circuitos neuronais do córtex
parietal codificam como vai mudando, no tempo, a predisposição a favor de cada
ação possível no espaço de decisões.
3) À
medida que a informação a favor de uma opção se acumula, o circuito parietal
que codifica essa opção aumenta a atividade elétrica. Quando a atividade
alcança um determinado limiar, um circuito de neurônios em estruturas profundas
do cérebro – conhecidas como gânglios basais – dispara a ação corresponde e
reinicia o processo para abrir caminho à decisão seguinte.
Que
relação tem a clareza da evidência com o tempo que usamos para tomar uma
decisão? Quanto mais incompleta é a informação, mais lenta é a acumulação de
evidência. Como as opções se enviesam em consequência de preconceitos ou
conhecimento prévio? Quando é realmente suficiente para decidir-se, a evidência
a favor de uma opção? (Como se estabelece um limiar?) Depende de um cálculo
feito pelo cérebro de uma maneira indiscutivelmente precisa. O cérebro pondera
entre “o custo de equivocar-se” e o “tempo disponível para a decisão”.
O
cérebro determina o limiar de tal modo que otimiza o ganho resultante de uma
decisão. Para isso, combina circuitos neuronais que codificam:
· O
valor da ação. - O que perdem se errarem? – Quanto maior o custo de errarem,
maior o limiar para a decisão.
· O
custo do tempo investido. Quanto mais tempo, mais chances de decidir de maneira
segura.
· A
qualidade da informação sensorial. – Quanto pior a informação, mais demoram
para se decidir. Maior o limiar para a decisão.
· Uma
urgência endógena de responder, algo que reconhecemos como a ansiedade ou a
impaciência por tomar uma decisão.
Se os
erros forem severamente castigados, o cérebro aumenta o limiar de quantidade de
evidência de que precisam para decidir e demoram mais tempo para responder. Ao
contrário, se os erros não forem punidos e a melhor estratégia for responder
depressa para acumular muitas oportunidades de recompensa, os jogadores reduzem
esse limiar. O notável é que, na maioria dos casos, este ajuste adaptativo (do
limiar necessário para que a decisão seja disparada) não é consciente. O
tomador de decisões sabe muito mais do que acredita saber. Isso nem sempre
acontece para as decisões conscientes. Todos nós recordamos haver adiado em
algum momento uma decisão urgente ou, ao contrário, ter nos apressado em uma
que requeria paciência. Mas, em contraposição, em muitíssimas decisões
inconscientes o cérebro ajusta de forma excelente, e sem que tenhamos registro,
o limiar de decisão.
[...]
Quando nos oferecem uma paisagem de opções, nem todas começam a correr a partir
do mesmo ponto: as que nos dão por default partem com vantagem. Se, além disso,
o problema for de difícil solução, o que faz com que a evidência a favor de
qualquer opção seja pequena, gana quem começa com aquela vantagem. [...] Nosso
mecanismo de tomada de decisão sofre um colapso diante de situações difíceis.
Então, aceitamos o que nos oferecem por default, aquilo que vier.
Coraçonadas:
a metáfora precisa
(Fisiologia
das decisões inconscientes)
[...]
Todos percebemos que as decisões que tomamos pertencem a pelo menos duas formas
qualitativamente distintas: algumas são racionais, e poderíamos esgrimir seus
argumentos: as outras, não. São as Coraçonadas, aquelas decisões inexplicáveis
que sentimos terem sido ditadas pelo corpo. Mas são realmente duas maneiras de
decidir? Será que nos convém escolher algo de acordo com nossas intuições, ou é
melhor deliberar cuidadosa e racionalmente cada decisão?
[...]
A decisão de que algo é engraçado ou aborrecido não se origina somente numa
avaliação do mundo exterior, mas também em reações viscerais que se produzem no
mundo interior. Descobrimos que alguém nos agrada, que algo envolve risco ou
que um gesto nos emociona porque o coração bate mais rapidamente.
Isso
revela um princípio importante. O cérebro recebe dos sentidos informação
emocional – digamos, por exemplo, tristeza ou alegria – que depois se expressa
em variáveis corporais. Às emoções se associam expressões faciais, aumento da
umidade da pele, do ritmo cardíaco ou da produção de adrenalina. Essa é a parte
mais intuitiva do diálogo. Mas esse diálogo é recíproco, pois o cérebro
identifica variáveis corporais para decidir se sente uma emoção. Tanto é assim
que a indução mecânica de um sorriso faz com que nos sintamos melhor ou que
avaliemos algo mais positivamente do que quando nosso rosto expressa seriedade.
Que os
estados corporais possam afetar nosso processo de decisão é uma demonstração
fisiológica e científica daquilo que percebemos como coraçonada. Quando se toma
uma decisão de modo inconsciente, o córtex cerebral avalia diferentes
alternativas e, ao fazê-lo, estima possíveis riscos e benefícios de cada opção.
O resultado desse cômputo se expressa em estados corporais a partir dos quais o
cérebro pode reconhecer o risco, o perigo ou o prazer. O corpo se torna um
reflexo do mundo exterior.
O
corpo no cassino e no tabuleiro
[...]
Em uma situação de incontáveis opções, com uma complexidade que se assemelha à
própria vida, o coração se alarma muito antes de tomar uma decisão ruim. Se o
indivíduo pudesse perceber isso, se soubesse escutar o que diz seu coração,
poderia talvez evitar muitos dos erros que acaba cometendo. Isso é
possível porque o corpo e o cérebro têm as caves para a tomada de decisão muito
antes que esses elementos se tornem conscientes para nós; as emoções
expressadas no corpo funcionam como um alarme que nos alerta sobre possíveis
riscos e erros. Isso faz desmoronar a ideia de que a intuição pertence ao
âmbito da magia ou da adivinhação. Não há nenhum conflito entre a ciência e as
coraçonadas; pelo contrário, as intuições funcionam de mãos dadas com a razão e
a deliberação, em pleno território da ciência.
Decisões
ou coraçonadas?
A
complexidade da decisão é o que dita quando convém deliberar e quando intuir.
[...] Quando há muitos elementos em jogo, a coraçonada é mais efetiva do que a
deliberação. [Quem pensa perde]. [...] Quando tomamos uma decisão que se
resolve ponderando um número pequeno de elementos, escolhemos melhor se levarmos
um tempo pensando. Em contraposição, quando o problema é complexo, em geral
decidimos melhor seguindo uma coraçonada do que se meditarmos longamente e
dermos muitas voltas – mentais – ao assunto.
Algo
sabemos da consciência: é bastante estreita e nela podemos alojar pouca
informação. Já o inconsciente é muito mais vasto. Isso nos permite entender por
que, para tomar decisões com poucas variáveis em jogo – preço, qualidade e
tamanho de um produto, por exemplo -, nos convém pensar bem antes de agir. Ante
esse tipo de situação nas quais podemos avaliar mentalmente todos os elementos
ao mesmo tempo, a decisão racional é a melhor e mais eficiente. Também
entendemos por que, quando estão em jogo muito mais variáveis do que a
consciência é capaz de manipular ao mesmo tempo, as decisões inconscientes,
rápidas e intuitivas, mesmo quando apenas aproximadas, mostram-se mais
eficientes.
Farejando
o amor
Em
resumo, as decisões que se seguem a coraçonadas e intuições, as quais, por
serem inconsciente, costumam ser percebidas como mágicas, espontâneas e sem
princípios, na realidade estão reguladas e às vezes são marcadamente
estereotipadas. De acordo com as virtudes e limitações mecânicas da
consciência, parece sensato delegar as decisões simples ao pensamento racional
e deixar as complexas entregues ao olfato, ao suor e ao coração.
Fotografia: Werner Bischof
Nenhum comentário:
Postar um comentário