O novo inconsciente
O coração tem razões que a própria razão
desconhece.
Blaise Pascal
· Pode
ser difícil distinguir um comportamento voluntário e consciente de outro
habitual ou automático. Na verdade, como seres humanos, nossa tendência em
acreditar nos comportamentos conscientes e motivados é tão forte que vemos
consciência não só no nosso comportamento como também no reino animal. Fazemos
isso com nossos bichos de estimação, claro. O fenômeno chama-se de antropomorfismo. (e com os bebês).
·
Os
seres humanos também desempenham inúmeros comportamentos automáticos,
inconscientes, mas tendem a não perceber
isso porque a interação entre nossa mente consciente e inconsciente é muito
complexa. Essa complexidade tem raiz na fisiologia do nosso cérebro. Como mamíferos, possuímos outras camadas de
córtex erigidas sobre a base do cérebro reptiliano mais primitivo; e, como
homens, temos ainda mais matéria cerebral por cima. Possuímos uma mente inconsciente e,
superposta a ela, um cérebro consciente. Quantos de nossos sentimentos, juízos
e comportamentos se devem a cada uma dessas estruturas, isso é muito difícil de
saber, pois estamos sempre alternando
as duas.
·
A
grande questão é até que ponto comportamentos mais complexos e substantivos,
com grande potencial de impacto sobre nossa vida, são também automáticos –
mesmo quando temos certeza de que são racionais e muito bem avaliados. De que forma nosso inconsciente afeta nossa
atitude em questões como: “Qual casa devo comprar? Que ações devo vender? Será
que devo contratar essa pessoa para cuidar do meu filho? Será que esses olhos
azuis brilhantes que não consigo deixar de olhar são base suficiente para uma
relação de amor duradoura?”
·
As
interpretações tornaram-se para ela automáticas, não conscientes. Assim como
todos entendemos a linguagem falada sem qualquer aplicação consciente das
regras da linguística, minha mãe entendia as mensagens do mundo sem qualquer
consciência de que suas experiências anteriores tinham moldado suas
expectativas para sempre. Ela nunca reconheceu que sua percepção fora
distorcida pelo temor sempre presente de que a qualquer momento a justiça, a
normalidade e a lógica deixariam de ter força ou significado.
·
Todos
temos nossos pontos de referência implícitos que produzem comportamentos e
pensamentos rotineiros. Nossas experiências e ações sempre parecem se basear em
raciocínios conscientes [...]. Mas embora possam ser invisíveis, ainda assim
essas forças exercem uma forte influência.
[...] A revolução atual na maneira de pensar o inconsciente surgiu
porque, com instrumentos modernos, podemos observar como diferentes estruturas
e subestruturas no cérebro geram sentimentos e emoções; medir a potência de saída
elétrica de neurônios individuais; mapear a atividade neural que forma os
pensamentos de uma pessoa. Hoje os cientistas podem mais do que conversar com
minha mãe e perscrutar como as experiências a afetaram. Agora eles podem
identificar as alterações no cérebro resultantes de experiências traumáticas
anteriores, como as dela, e entender como essas experiências provocam
alterações físicas em regiões do cérebro sensíveis ao estresse.
·
O
comportamento humano é produto de um interminável fluxo de percepções, sentimentos
e pensamentos, tanto no plano consciente quanto inconsciente. [...] O novo
inconsciente tem um papel muito mais importante do que nos proteger de desejos
sexuais impróprios (por nossas mães e pais) ou de memórias dolorosas. Trata-se
de um legado da evolução crucial para nossa sobrevivência como espécie. O
pensamento consciente é de grande valia para projetar um automóvel ou decifrar
as leis matemáticas na natureza, mas só a velocidade e a eficiência do
inconsciente podem nos salvar na hora de evitar picadas de cobra, carros que
entram no nosso caminho ou pessoas que nos fazem mal. Como veremos, para
garantir nosso perfeito funcionamento, tanto no mundo físico quanto no social,
a natureza determinou que muitos processos de percepção, memória, atenção,
aprendizado e julgamento fossem delegados a estruturas cerebrais separadas da
percepção consciente.
·
Todos
nós tomamos decisões pessoais, financeiras e de negócios confiantes de que
pesamos de forma apropriada todos os fatores importantes e agimos de acordo com
eles – e que sabemos como chegamos a essas decisões. Mas conhecemos apenas as
nossas influências conscientes, e por isso temos apenas uma visão parcial
delas. Como resultado, nossa visão de nós mesmos e de nossas motivações, e da
sociedade, é como um quebra-cabeça em que falta a maior parte das peças. Nós
preenchemos os espaços em branco e fazemos adivinhações, mas a verdade sobre
nós é muito mais complexa e sutil do que aquilo que pode ser entendido como um
cálculo direto de mentes conscientes e racionais.
·
Nós
percebemos, lembramos nossas experiências, fazemos julgamentos e agimos – mas
em todas essas atitudes somos influenciados por fatores dos quais não temos
consciência. A verdade é que nossa mente
inconsciente está ativa, é independente e tem propósito. Essa mente pode estar
oculta, mas seus efeitos são muito visíveis, pois têm um papel crítico na
formação da maneira como nossa mente consciente vivencia e responde ao mundo.
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