Subliminar
2 – Sentidos + mente = realidade
O olho que vê não é um mero órgão físico, mas uma
forma de percepção condicionada pela tradição na qual seu possuidor foi criado.
Ruth Benedict
·
· Todas
as nossas percepções devem ser consideradas ilusões. Isso porque só percebemos
o mundo de forma indireta, processando e interpretando os dados brutos dos
nossos sentidos. É isso que nosso inconsciente processa para nós – criando um modelo do mundo. Ou, como dizia
Kant, há Das Ding na sich, as coisas
como elas são, e Das Ding fur uns, as
coisas como as conhecemos. Por exemplo, quando olhamos ao redor, temos a
sensação de estar vendo um espaço tridimensional. Mas não percebemos
diretamente essas três dimensões. O cérebro vê um conjunto de dados planos e
bidimensionais na retina e cria a
sensação de três dimensões. [...]
Graças a todo esse processamento, quando falamos “Eu vejo a cadeira”, o que na
verdade dizemos é que o nosso cérebro criou o modelo mental de uma cadeira.
· Nosso
inconsciente não só interpreta os dados sensoriais, ele os realça. E isso é necessário pois os dados que nossos sentidos
transmitem são de qualidade muito baixa e precisam
ser consertados para ser úteis. Por exemplo, o chamado “ponto cego”, uma
lacuna nos dados que nossos olhos fornecem, um ponto atrás do globo ocular onde
se encontra a retina e o cérebro. Isso cria uma região morta no campo de visão
dos olhos. Em geral nem percebemos isso, pois nosso cérebro completa a imagem
baseado nos dados obtidos da área ao redor.
·
O
cérebro edita e corta informações visuais recebidas durante os movimentos dos
olhos.
·
Outra
lacuna dos dados brutos transmitidos pelos nossos olhos tem a ver com a visão
periférica, que é muito fraca. Na verdade, se você erguer o braço em posição
horizontal e olhar para a unha do polegar, vai perceber que a única região do
seu campo de visão com boa resolução é a área interna na unha, ou talvez só um
contorno.
·
Quando
você olha para alguém, a imagem real na sua retina seria a de uma pessoa
embaçada e trêmula com um buraco negro no meio do rosto. [...] Não é a imagem
que você vai ver, porque seu cérebro processa automaticamente os dados, combina a informação dos dois olhos, remove os efeitos dos movimentos rápidos
e preenche as lacunas baseado na suposição de que as propriedades visuais
das regiões vizinhas sejam semelhantes.
A
audição funciona de forma semelhante. Por exemplo, nós preenchemos lacunas de informação auditiva de modo inconsciente.
[...] Esse efeito é chamado de restauração
fonêmica, conceitualmente análogo ao preenchimento que o cérebro faz quando
edita o ponto cego da retina, melhora a baixa resolução da nossa visão
periférica – ou preenche lacunas no seu conhecimento do caráter de alguém
utilizando postas baseadas na aparência, no grupo étnico ou no fato de a pessoa
fazer lembrar o tio Jerry. (Trata-se de uma taquigrafia perceptual muito eficaz
– a não ser quando não é, pois às vezes pode levar a graves erros de
julgamento. [...] A restauração fonêmica tem uma propriedade impressionante:
por se basear no contexto em que você ouviu as palavras, o que você pensa ter
ouvido no começo de uma sentença pode ser afetado pelas palavras que vêm no
final.
·
De
certa forma, todas as mentes humanas são como um cientista, criando um modelo do mundo ao redor, o
mundo cotidiano que nosso cérebro detecta pelos sentidos. Assim como as teorias
da gravidade, nosso modelo do mundo dos sentidos é uma aproximação, baseado em conceitos inventados pela mente. Assim como as teorias da gravidade, ainda
que nossos modelos mentais acerca do entorno não sejam perfeitos, eles em geral
funcionam muito bem .
O mundo
que percebemos é um ambiente artificialmente
construído, cujas características e propriedades são ao mesmo tempo produto dos nossos processos mentais inconsciente dos dados reais. A
natureza nos ajuda a preencher as
lacunas de informação nos dotando de um cérebro que suaviza essas
imperfeições, num nível inconsciente, antes mesmo de estarmos conscientes de
qualquer percepção. Nosso cérebro faz tudo isso sem um esforço consciente,
enquanto nos sentamos numa poltrona saboreando um copo de suco de pera ou
bebericando uma cerveja. Aceitamos as visões urdidas pelas nossa mente
inconsciente sem questionar, sem perceber que são apenas uma interpretação elaborada para maximizar
nossa chance de sobrevivência, mas que, em todos os casos, são a imagem mais acurada
possível.
Isso
suscita uma questão à qual voltaremos inúmeras vezes, em contextos que variam
da visão à memória e à maneira como julgamos as pessoas que conhecemos: se uma das funções centrais do inconsciente
é preencher as lacunas diante da informação incompleta, a fim de
construir uma imagem da realidade que nos possa ser útil, o quanto dessa imagem
é realmente acurada? Por exemplo, vamos supor que você conheceu alguém.
Você tem uma conversa rápida com essa pessoa e, baseado em aparência, maneira
de vestir, etnia, sotaque e gestos – talvez em um pouco de pensamento positivo
de sua parte -, forma uma avaliação sobre esse indivíduo. Mas quanto você pode
confiar que sua imagem é verdadeira ?
·
FOTOGRAFIA: SALLY MANN
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