Classificação de pessoas
e coisas
Nós ficaríamos ofuscados se tivéssemos de tratar tudo o que vimos, toda a informação visual, como um elemento em separado; e se
tivéssemos de desvendar de novo as conexões todas as vezes que abríssemos os
olhos.
Gary Klein
A classificação é uma estratégia que
nosso cérebro usa para processar
informações com mais eficiência. Cada objeto ou pessoa que encontramos no mundo é
único, mas nós não funcionaríamos muito bem se os percebêssemos dessa maneira.
Não temos tempo nem capacidade mental para observar e considerar cada detalhe de todos os itens de nosso ambiente. Por isso utilizamos alguns traços salientes que conseguimos observar para situar o objeto em
um categoria; depois baseamos nossa avaliação do objeto na categoria e não no próprio objeto. Ao mantermos um conjunto de categorias, conseguimos acelerarnossas reações.
Pensar
em termos de categorias genéricas, como
“ursos”, “cadeiras” e “motoristas erráticos”, nos ajuda a navegar pelo nosso
ambiente com mais velocidade e eficiência; primeiro entendemos o significado
bruto de um objeto, depois nos preocupamos com sua individualidade.
Classificar
é um dos atos mentais mais importantes que desempenhamos, e nós fazemos isso o tempo todo. Até nossa capacidade de ler depende de nossa capacidade de
classificar; o domínio da leitura exige o agrupamento
de símbolos semelhantes, como b e d, em categorias de letras diferentes. [...] Em geral fazemos isso
de maneira rápida e sem esforço consciente.
Uma das
principais maneiras de classificar é maximizar a importância de certas
diferenças e minimizar a relevância de outras. Mas a seta do nosso raciocínio pode apontar
para o outro lado. Se concluirmos que um conjunto de objetos pertence a um
grupo, e um segundo conjunto de objetos pertence a outro, podemos perceber
os que estão dentro do mesmo grupo como mais semelhantes do que na verdade são – e os
que estão em grupos diferentes como menos semelhantes do que na verdade são. O mero posicionamento de objetos em grupos
pode afetar nosso julgamento desses objetos. Portanto, embora a classificação seja um atalho crucial e natural, como
outros truques de sobrevivência do nosso cérebro, ele também tem suas
desvantagens.
Distorções
causadas pelas categorizações [...] Quando
categorizamos, nós polarizamos. Coisas que por uma ou outra razão arbitrária são identificadas como
pertencentes à mesma categoria parecem mais semelhantes entre si do que
realmente são, enquanto as catalogadas em diferentes categorias parecem mais
distintas do que são na verdade. A mente inconsciente transforma diferenças
difusas e nuances sutis em distinções nítidas. Seu objetivo é apagar detalhes
irrelevantes enquanto mantém a informação importante. Quando isso é feito de
forma bem-sucedida, nós simplificamos nosso ambiente e tornamos a navegação
mais fácil e rápida. Quando isso não é feito da forma inadequada, distorcemos
nossas percepções, às vezes com resultados prejudiciais para os outros ou até para
nós mesmos. Isso vale em especial quando nossa tendência a
classificar afeta nossa visão acerca de outros seres humanos.
Lippmann escreveu: “O ambiente real é na
verdade grande, complexo e transitório demais
para um conhecimento direto. ... Embora tenhamos de agir nesse ambiente,
precisamos reconstruí-lo em um modelomais simples antes de
conseguir lidar com ele”.
Tipos e
personagens normais eram (e ainda são) um resumo conveniente – nós os
reconhecemos de pronto -, mas seu uso amplifica e exagera os traços de
personalidade associados às categorias que representam.
Gostamos de pensar que julgamos as pessoas como indivíduos, e às
vezes tentamos de forma consciente avaliar os outros com base em suas
características específicas. Em geral conseguimos. Mas, se não conhecemos bem
uma pessoa, nossa mente pode procurar as respostas em sua categoria social. Em cada um desses casos, nossa mente subliminar
pega os dados incompletos, usa o contexto ou outras pistas para completar a imagem, faz algumas deduções e produz um resultado algumas vezes exato, outras vezes não, mas
sempre convincente. Nossa
mente preenche as lacunas quando julgamos as pessoas, e a categoria a que a
pessoa pertence é parte dos dados que usamos para fazer isso.
Os vieses perceptivos de categorização estão na raiz do preconceito. Até segunda metade dos anos 1980, muitos
psicólogos ainda viam a discriminação como um comportamento consciente e intencional, não como algo
surgido naturalmente de processos cognitivos
normais e inevitáveis, relacionados à propensão vital do cérebro para
categorizar. A estereotipagem inconsciente, ou “implícita”, é a regra, não a exceção.
Julgar individualmente é complicado, e essa complexidade exige recursos mentais, o que retarda o
processo. ... Esse é o ponto crucial: quando o
rotulamento segue suas associações mentais (vieses), o processo se acelera,
mas, quando mistura as associações, o processo fica mais lento.
Pesquisadores
mostraram aos participantes imagens de rostos brancos, negros, palavras hostis
(horrível, fracasso, maligno, desagradável e assim por diante), e palavras
positivas (paz, alegria, amor, felicidade e assim por diante). Se você fizer
associações a favor de brancos ou contra negros, levará mais tempo para separar
palavras e imagens quando tiver de relacionar palavras positivas com a
categoria negra e palavras hostis para a categoria branca do que quando rostos
negros e palavras hostis entrarem numa mesma caixa. Cerca de 70% dos que passaram pelo teste
mostraram essa associação pró-branca, inclusive muitos que ficaram
(conscientemente) surpresos ao saber que mostraram tais atitudes. Aliás, até
muitos negros mostraram um viés inconsciente pró-brancos no IAT. É difícil não
fazer isso quando se vive numa cultura que incorpora estereótipos negativos
envolvendo afro-americanos.
Ainda
que sua avaliação de outra pessoa possa parecer racional e deliberada, ela é
informada por processos automáticos e inconscientes – os tipos de processo
reguladores da emoção sediados no córtex pré-frontal ventromedial. Aliás,
lesões no VMPC costumam suprimir a estereotipagem inconsciente de gênero.
Como
reconheceu Lippmann, não podemos evitar a absorção mental de categorias
definidas pela sociedade em que vivemos. Elas permeiam notícias, programação da
TV, filmes, todos os aspectos de nossa cultura. Pelo fato de nosso cérebro categorizar naturalmente, somos
vulneráveis a agir de acordo com atitudes que essas categorias representam.
A
tendência a classificar até as pessoas em geral é uma benção. Ela permite que
compreendamos a diferença entre motorista de ônibus e passageiro, balconista e
comprador, recepcionista e médico, e entre outros estranhos com quem
interagimos, sem ter de parar para repensar mais uma vez sobre o papel de cada
um durante cada encontro. O desafio não é deixar de categorizar, mas como se
tornar ciente de quando fazemos isso e conseguir ver as pessoas
individualmente, como elas são.
As
categorias saturam tudo que elas contêm com o mesmo “sabor ideal ou emocional”.
A
cultura agora chegou ao ponto de a maioria das pessoas considerar errado negar
intencionalmente uma oportunidade a alguém em decorrência de traços de caráter
inferidos a partir de sua identidade classificatória. Mas estamos apenas
começando a lidar com esses vieses inconscientes. ... O desafio apresentado
pela ciência à comunidade legal é ir além disso, abordar o tema mais difícil da
discriminação
inconsciente, do viés sutil
e oculto até para quem o exerce. ... Se estivermos cônscios de nossos vieses e motivados para
superá-los, conseguiremos fazer isso.
Nosso juízo inconsciente, amplamente apoiado
em categorias que atribuímos às pessoas, está sempre em competição com nosso pensamento mais deliberativo e analítico, que pode ver essas pessoas como
indivíduos. À medida que os dois lados de nossa mente travam essa batalha, o
grau com que consideramos uma pessoa como indivíduo versos membro de um grupo
genérico varia em grande escala.
A moral
da história é que é preciso esforço
se quisermos superar vieses inconscientes. Uma boa maneira é olharmos com mais atenção quem estamos
julgando ... nosso conhecimento pessoal de um membro específico ou de uma
categoria pode atropelar nosso viés categórico, porém, mais importante é que,
com o tempo, o contato repetido com
membros da categoria pode agir como antídoto para os traços negativos que a
sociedade atribui ás pessoas dessa categoria.
... A experiência pode atropelar
os preconceitos.
Quanto
mais interagimos com outros indivíduos
e nos expomos às suas características
particulares, mais munição nossa
mente tem para contra-atacar nossa tendência a estereotipar, pois
traços que atribuímos às categorias são produto não só das suposições da
sociedade como de nossa própria experiência.
Os
cientistas dizem que nós não teríamos sobrevivido como espécie sem nossa
capacidade de categorizar, mas eu vou mais adiante: sem ela, mal se consegue
sobreviver como indivíduo.