A natureza do otimista
O otimista fará uma cesta
sempre que arremessar a bola, ganhará todas as finais que disputar, nunca
perderá o emprego e poderá fazer sexo sem proteção ou dirigir de maneira
imprudente porque, afinal de contas, os riscos não lhe competem. O estranho é
que o otimismo sobreviverá apesar da
evidência em contrário que recebemos diariamente. O otimismo é nada mais nada
menos do que essa obstinação.
Parte disso é obra do esquecimento seletivo que todos
experimentamos. Cada segunda-feira, cada aniversário, cada 1 de janeiro se
enchem de promessa as repetidas; cada amor é o amor de nossas vidas. [...] Cada
uma dessas afirmações ignora completamente que já houve outras tantas
segundas-feiras e outros tantos desenganos. Somos realmente tão cegos ante a
evidência? Que mecanismos do cérebro encaram esse otimismo fundamentalista? E o que fazemos com o otimismo
persistente, se entendermos que ele se cimenta em uma ilusão?
Um dos modelos mais comuns
de aprendizagem humana é o erro de previsão. É simples e intuitivo. A primeira premissa, para cada ação que
realizamos, desde a mais mundana à mais complexa, é que construímos um modelo interno, uma espécie de prelúdio simulado daquilo que vai suceder.
Esse erro de previsão expressa a diferença entre o que esperamos e o que observamos na
realidade, e isso se codifica em um circuito neuronal nos gânglios basais que
gera dopamina. A dopamina é um
neurotransmissor que funciona, entre outras coisas, como mensageiro da
surpresa, espalhando-se por diferentes estruturas cerebrais. O sinal
dopaminérgico reconhece a dissonância entre o previsto e o encontrado, e é o
combustível vital para a aprendizagem, pois os circuitos irrigados por dopamina
se tornam maleáveis e predispostos à mudança. Na ausência de dopamina, em contraposição,
os circuitos neuronais são em sua maioria rígidos
e pouco maleáveis.
Se o cérebro não gerasse um
sinal de dissonância quando a realidade é pior do que esperamos, renovaríamos indefinidamente
nossas esperanças.
Em sua grande maioria, as
pessoas pressupõem que as possibilidades de que lhes aconteça algo ruim são
muito menores do que mostram as estatísticas.
A cada vez que descobrimos
um conhecimento desejável ou benéfico, ativa-se um grupo de neurônios em uma pequena
região do córtex pré-frontal esquerdo chamado giro frontal inferior. Em
contraposição, quando recebemos uma evidência não desejável, ativa-se outro
grupo de neurônios na região homóloga do hemisfério direito. Entre essas
regiões cerebrais se estabelece uma espécie de balança entre as boas e as más notícias. Essa balança, porém, tem
duas armadilhas: a primeira é que ela dá muito mais peso às boas notícias do que às más, o que, em média, cria uma
tendência para o otimismo; e a segunda – a mais interessante – é que a inclinação
da balança muda em cada indivíduo e revela a maquinaria do otimismo.
A ativação dos neurônios do
giro frontal do hemisfério esquerdo é semelhante
em todos nós, quando descobrimos que o mundo é melhor do que pensávamos. Em contraposição, a ativação do giro
frontal do hemisfério direito varia em
um nível amplo de indivíduo para indivíduo, nos casos em que ficamos sabendo
que o mundo é pior do que
acreditávamos. Nas pessoas mais otimistas,
essa ativação é atenuada, como se
literalmente elas fizessem ouvidos moucos às más notícias. Nas mais pessimistas, ocorre o oposto: a
ativação está amplificada, acentua e
multiplica o impacto dessa informação negativa.
Aí está a receita biológica que separa os otimistas dos pessimistas: não é a
capacidade que eles têm de valorizar o bom, mas suas possibilidades de ignorar e esquecer o ruim.
Há razões instintivas para alimentar um otimismo cândido, o qual se
revela um motor para a ação, a aventura e a inovação. Sem o otimismo não
teríamos ido à Lua nem voltado de lá; e ele também está associado de uma
maneira bastante genérica com uma saúde melhor e uma vida mais satisfatória.
Poderíamos pensar então que o otimismo é
uma espécie de pequena loucura que nos impele a fazer coisas que de outro
modo não faríamos. Sua face oposta, o pessimismo, é o prelúdio da inação e, na versão crônica, da depressão. [...] O otimista conhece os riscos mas age como
se não o afetassem. Sentem-se excetuado
da estatística e isso, claro, é falso: se todos formos a exceção, a regra deixa
de existir. Esse otimismo expandido – que não costuma ser reconhecido como tal –
pode acarretar consequências fatais, mas também evitáveis.
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