In-groups e out-groups
Todos os grupos ...
desenvolvem uma forma de viver, como com códigos e convicções característicos.
Gordon
Allport
Os seres humanos sempre viveram em bandos.
Se uma competição num cabo de guerra gera hostilidade
intertribal, imagine a rivalidade entre
bandos de homens com bocas demais para alimentar
e poucas carcaças de elefante para comer. Hoje pensamos na guerra como algo em
parte baseado em ideologia, mas a necessidade
de comida ou água é a mais forte ideologia. Bem antes de inventarem
comunismo, democracia ou teorias de superioridade racial, grupos de pessoas que
viviam perto lutavam com regularidade e até massacravam uns aos outros motivados
pela competição por recursos. Nesse contexto, um sentido altamente
desenvolvido de “nós contra eles” teria
sido crucial para a sobrevivência.
Havia também um sentido de “nós
contra eles” dentro bandos, pois os seres humanos pré-históricos formavam alianças e coalizões no interior de seus próprios grupos, como aconteceu com outras espécies de hominídeos. [...] Assim, se a capacidade de captar pistas que
sinalizem alianças políticas é importante no trabalho
contemporâneo, na pré-história isso era vital,
pois a ser demitido era equivalente a ser morto.
Os cientistas chamam qualquer grupo de que as pessoas se sentem parte de
um “in-group”, e qualquer grupo que as exclui de “out-group”. Diferentemente do uso coloquial, no sentido técnico, in-group e out-group se referem não à popularidade dos que pertencem a
grupos, mas apenas à distinção “nós-eles”.
É uma diferença importante, porque pensamos
de forma diversa sobre membros de grupos de que somos parte e de grupos dos
quais não participamos; também
apresentamos comportamentos diferentes em relação a eles. Fazemos isso de forma
automática, independentemente de estarmos ou não conscientes da intenção de
discriminar. [...] O fato de nos posicionarmos em categorias in-group e out-group tem um efeito na maneira como vemos nosso próprio lugar
no mundo e como encaramos os outros.
Todos pertencemos a muitos grupos.
Por conseguinte, a maneira como nos identificamos muda de situação para situação. Em diferentes ocasiões, a mesma
pessoa pode se ver como mulher, executiva, funcionária da Disney, brasileira ou
mãe, dependendo do que for relevante – ou do que a fizer se sentir bem no
momento. Alterar a afiliação do grupo que adotamos em
dado momento é um truque que todos usamos, e ajuda a manter uma aparência simpática, pois os in-groups com que nos identificamos são
um importante componente de nossa autoimagem.
[...] As pessoas estão dispostas a fazerem grandes sacrifícios financeiros para ajudar a estabelecer a sensação de pertencer a um in-group de
que desejam participar. – Disposição de abrir mão de dinheiro em troca do prestígio de uma identidade grupal cobiçada. [...] Quando penamos
em nós mesmos como pertencentes a um clube de campo exclusivo, ocupando um
cargo executivo, ou inseridos numa classe de usuário de computadores, os pontos de vista de outros no grupo infiltram-se
nos nossos pensamentos e dão
cores à maneira como percebemos o mundo. Os psicólogos chamam essa
visão de “normas grupais”.
Quando nos vemos como membro de um grupo, automaticamente todos ficam
marcados com um “nós” ou um “eles”. Alguns de nossos in-groups, como nossa família, os colegas de trabalho ou os
parceiros de bicicleta, incluem outras pessoas que conhecemos. Outros, como
mulheres, hispânicos ou cidadãos idosos, são grupos mais amplos definidos pela
sociedade, que a eles conferem características. Porém, seja qual for o grupo a
que pertencermos, por definição ele consiste em pessoas que percebemos como tendo
alguma coisa em comum conosco. Essa experiência partilhada, ou identidade, faz com
que vejamos nossa fé como algo interligado
com a fé do grupo, e os sucessos e fracassos como também nossos. É natural,
então, que tenhamos um lugar especial em nossos corações para os membros do
grupo a que pertencemos.
Podemos não gostar muito das pessoas de maneira geral, mas nosso ser
subliminar tende a gostar mais dos companheiros de nosso
in-group. [...] No que se refere a religião, raça,
nacionalidade, uso de computadores ou à nossa unidade operacional de trabalho,
em geral, temos uma tendência inata de
preferir os membros do nosso in-group. Estudos mostram que pertencer a um
grupo em comum pode até superar atributos
pessoais negativos. Como enunciou um pesquisador: “Podemos gostar de pessoas
como membros do grupo mesmo quando não gostamos delas como indivíduos”.
Esta constatação – de que gostamos mais de pessoas apenas por estamos
associados a elas de alguma forma – tem um corolário natural: também
tendemos a favorecer membros do nosso grupo nos relacionamentos sociais e nos
negócios, e a avaliarmos o trabalho e os produtos deles de maneira mais
favorável do que faríamos em outras circunstâncias, mesmo quando pensamos
que estamos tratando todo mundo de forma igualitária.
Outra maneira com que somos afetados pelas diferenças entre in-groups e out-groups é que tendemos
a pensar nos membros do nosso grupo como mais diversificados
e complexos que os do out-group. [...] Pode parecer natural
observar mais diversificação nos grupos a que pertencemos, pois, em geral
conhecemos melhor seus integrantes como indivíduos. [...] A sensação que
temos de que nosso grupo é mais diversificado que o out-group não depende de conhecer melhor nosso in-group. Na verdade, a categorização das pessoas em in-groups e out-groups já é suficiente para acionar esse julgamento.
Aliás, nossos sentimentos especiais em relação ao grupo a que
pertencemos persistem mesmo quando pesquisadores separam artificialmente
estranhos em in-groups e out-groups aleatórios. Quando Marco
Antônio se dirigiu à multidão depois do assassinato de César e declarou, na
versão de Shakespeare, “Concidadãos, romanos, bons amigos, concedei-me atenção”,
ele na verdade estava dizendo: “Membros in-group,
membros in-group, membros in-group...” Um apelo inteligente.
Fotografia: Werner Bischof
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