Você já foi afetado pela infidelidade
A maioria das histórias de infidelidade é bem mais banal do que aquelas que ganham as manchetes: não existe filho,
DST, perseguição ao ex-amante com extorsões de dinheiro. [...] São normalmente
inúmeros homens e mulheres comprometidos, que partilham histórias e princípios –
princípios que em geral incluem a monogamia –, cujas narrativas se desdobram
segundo uma trajetória humana mais singela.
A solidão, os anos de apatia sexual, o
ressentimento, o arrependimento, o desleixo conjugal, a juventude perdida, a
atenção almejada, as bebidas além da conta – coisas assim são a essência da infidelidade cotidiana.
Muitas dessas pessoas ficam muito confusas quanto à própria conduta.
Casos extraconjugais têm muito o que nos ensinar sobre relacionamentos. Eles
abrem a porta para um exame mais profundo dos valores da natureza humana e do
poder do eros; nos forçam a lidar com
algumas questões muito inquietantes: o que instiga alguém a cruzar fronteiras estabelecidas com
tanto empenho? Por que a traição sexual magoa tanto? Casos são sempre atos
egoístas e covardes ou em certas situações podem ser compreensíveis,
aceitáveis, até mesmo um gesto audacioso e corajoso? E, conhecendo ou não esse
drama, o que podemos aprender com a empolgação da infidelidade para revigorar
nossas relações?
Um amor secreto tem de ser sempre revelado? A paixão tem prazo de
validade? Existem satisfações que um casamento, ainda que bom, jamais consegue
saciar? Como atingir o equilíbrio entre nossas carências emocionais e nossos
desejos eróticos? Será que a monogamia já deixou para trás sua utilidade? O que
é fidelidade? Somos capazes de amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo?
Para mim, essas conversas são partes fundamentais de qualquer relação
adulta, íntima. Para a maioria dos casais, infelizmente, a crise gerada por um
caso marca a primeira vez que tais assuntos são debatidos. A catástrofe acaba nos empurrando para a
essência das coisas. Recomendo que não se espere a tempestade, mas que se
enfrente essas ideias em um clima mais ameno. Falar do que nos leva além da nossa cerca – do medo da perda
que acompanha essa atitude – uma atmosfera de confiança pode de fato fomentar a
intimidade e o compromisso. Nossos desejos, até os mais ilícitos, são
característicos da nossa humanidade.
Por mais tentador que seja resumir os casos a sexo e mentiras, prefiro
usar a infidelidade como um portal para a paisagem complexa das relações e dos limites que fixamos para mantê-las. A
infidelidade nos põe cara a cara com as forças opostas e voláteis da paixão: a
atração, a luxúria, a urgência, o amor e sua impossibilidade, o alívio, a
armadilha, a culpa, a mágoa, o pecado, a vigilância, a loucura da desconfiança,
o ímpeto homicida de pagar na mesma moeda, o desfecho trágico. Esteja
avisado: tratar dessas questões exige disposição
para descambar em um labirinto de forças
irracionais. O amor é complicado, a infidelidade mais ainda. Mas também é
uma janela, como nenhuma outra, para as frestas do coração humano.
In: Casos e casos - Repensando a infidelidade
Fotografia: Mary Ellen Mark
https://www.youtube.com/watch?v=v1Ytt5sgbzI
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