Flight
When we were fleeing the burning city
And looked back from the first field path,
I said: "Let the grass grow over our footprints,
Let the harsh prophets fall silent in the fire,
Let the dead explain to the dead what happened.
We are fated to beget a new and violent tribe
Free from the evil and the happiness that drowsed there.
Let us go" - and the earth was opened for us by a sword of the flames.
quarta-feira, 23 de dezembro de 2009
domingo, 20 de dezembro de 2009
Wislawa Szymborska
Alguns-
quer dizer nem todos.
Nem a maioria de todos, mas a minoria.
Excluindo escolas, onde se deve
e os próprios poetas,
serão talvez dois em mil.
Gostam-
mas também se gosta de canja de massa,
gosta-se da lisonja e da cor azul,
gosta-se de um velho cachecol,
gosta-se de levar a sua avante,
gosta-se de fazer festas a um cão.
De poesia-
mas o que é poesia?
Algumas respostas vagas
já foram dadas,
mas eu não sei e não sei, e a isto me agarro
como a um corrimão providencial.
Czeslaw Milosz
Dádiva
Um dia tão feliz,
A névoa baixou cedo, eu trabalhava no jardim.
Os colibris se demoravam sobre a flor de madressilva.
Não havia coisa na terra que eu quisesse possuir.
Não conhecia ninguém que valesse a pena invejar.
O que aconteceu de mau, esqueci.
Não tinha vergonha ao pensar que fui quem sou.
Não sentia no corpo nenhuma dor.
Me endireitando, vi o mar azul e velas.
Berkeley, 1971
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
Kim Gui-rim
O Mar e a Borboleta
Porque ninguém lhe disse da fundura
a borboleta branca não tinha medo do mar
Era para ela uma plantação de folhas verdes
e ao pousar, a asa tenra se gela no toque da água
e volta cansada como uma princesa
A borboleta, ressentida do mar de março sem flores,
sente a fina cintura gelar no crescente azul.
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
Kim Nam-jo
Mar de Inverno
Sabe, fui ver o mar de inverno
Pássaros desconhecidos
Pássaros queridos - já haviam morrido
Pensei em ti
Mas a árdua tormenta congelara
até a lágrima e a verdade daquele amor
E o fogo do vazio
ardia em chamas sobre a crista das ondas
O meu sempre mestre
o tempo
Fiquei ali a assentir, assentir com a cabeça
ainda que restem
poucos dias
Ao terminar a prece,
faze-me possuir uma alma ainda mais ardente
Ainda que restem
poucos dias
Sabe, fui ao mar de inverno
A água da dura perseverança
jazia formando um pilar na fundura do mar
* * *
A Carta
Jamais encontrei alguém tão adorável quanto você
Jamais houve alguém que me fez tão só quanto você
Quando penso nisso, choro um pranto inevitável
Jamais houve alguém que me fez tão honesta quanto você
Você, que alumia o meu interior, é o espelho mais cristalino
E quando passo por você em toda a profundidade há um eu
de olhar umidecido. É o começo de mim
Escrevo para você todos os dias
Quando escrevo uma linha você vem de pronto ler esta linha,
e por isso jamais envio a carta
sábado, 12 de dezembro de 2009
Kim Gwang-sób
Solidão
Eu
estirado aqui na condição de um vivente e
lá atrás da tumba uma corrente infinita também se agita
sob uma rocha silenciosa, lá onde o mar é profundo
Eu
como um peixe cansado
Sonhos encantados amores cristalinos adormecem
Fragmentos do mundo saudoso se misturvam
Somente os estratos de longos séculos me guiam
Nem nervos nesta noite
Relógio, que bizarro!
Durma, vá, você também
Eu
estirado aqui na condição de um vivente e
lá atrás da tumba uma corrente infinita também se agita
sob uma rocha silenciosa, lá onde o mar é profundo
Eu
como um peixe cansado
Sonhos encantados amores cristalinos adormecem
Fragmentos do mundo saudoso se misturvam
Somente os estratos de longos séculos me guiam
Nem nervos nesta noite
Relógio, que bizarro!
Durma, vá, você também
segunda-feira, 7 de dezembro de 2009
Kim Tchun-su
Ausência
Quando por vezes o vento vinha sacudindo
a cerca chorava
em tom triste
Coisas como crista-de-galo, ipoméia, balsâmina,
floresciam cada qual na sua estação,
e murchavam
sem som
Mesmo no inverno mais frio
vinha o raio de sol
para uma sesta solitária sobre pedras azuis
e se ia
Os anos passavam sem nada por fazer
e as pessoas, como num sonho,
viviam e morriam
Quando por vezes o vento vinha sacudindo
a cerca chorava
em tom triste
Coisas como crista-de-galo, ipoméia, balsâmina,
floresciam cada qual na sua estação,
e murchavam
sem som
Mesmo no inverno mais frio
vinha o raio de sol
para uma sesta solitária sobre pedras azuis
e se ia
Os anos passavam sem nada por fazer
e as pessoas, como num sonho,
viviam e morriam
Bák Mog-wór
Jardim de Inverno
Choviam folhas secas,
assim que eu as varria
O aroma dos crisântemos secos
tem (é) sabor de ressentimento
Aqui, na solidão do jardim,
as nuvens não são tranquilas
Lá, sombras agitadas
das nuvens
Meia vida
levada à toa
E o vento embala
o resto da tarde
Na montanha,
desce uma sombra fria
E os pássaros
também se foram para longe
Choviam folhas secas,
assim que eu as varria
O aroma dos crisântemos secos
tem (é) sabor de ressentimento
Aqui, na solidão do jardim,
as nuvens não são tranquilas
Lá, sombras agitadas
das nuvens
Meia vida
levada à toa
E o vento embala
o resto da tarde
Na montanha,
desce uma sombra fria
E os pássaros
também se foram para longe
quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
Antonio Machado
Y ha de morir contigo el mundo mago
donde guarda el recuerdo
los hálitos más puros de la vida,
la blanca sombra del amor primeiro,
la voz que fue a tu corazón, la mano
que tú querías retener en sueños,
y todos los amores
qye llegaron al alma, al hondo cielo?
Y ha de morir contigo el mundo tuyo,
La vieja vida en orden tuyo y nuevo?
Los yunques y crisoles de tu alma
trabajan para el polvo y para el viento?
donde guarda el recuerdo
los hálitos más puros de la vida,
la blanca sombra del amor primeiro,
la voz que fue a tu corazón, la mano
que tú querías retener en sueños,
y todos los amores
qye llegaron al alma, al hondo cielo?
Y ha de morir contigo el mundo tuyo,
La vieja vida en orden tuyo y nuevo?
Los yunques y crisoles de tu alma
trabajan para el polvo y para el viento?
sábado, 28 de novembro de 2009
Czeslaw Milosz
Retrato Grego
Tenho a barba espessa, os olhos velados
Pelas pálpebras, como nos que sabem o preço
Das coisas que viram. Me calo como convém
A um homem ciente de que no coração humano
Cabe mais do que na fala. Deixei o país
Natal, o lar e o serviço público
Não porque buscasse lucro ou aventuras.
Não sou um estrangeiro nos navios.
O rosto comum, o do cobrador de impostos,
Do comerciante, do soldado, não me distingue na multidão.
Nem me recuso a prestar a devida homenagem
Aos deuses locais. E como o que se come.
É quanto basta dizer sobre si mesmo.
Tenho a barba espessa, os olhos velados
Pelas pálpebras, como nos que sabem o preço
Das coisas que viram. Me calo como convém
A um homem ciente de que no coração humano
Cabe mais do que na fala. Deixei o país
Natal, o lar e o serviço público
Não porque buscasse lucro ou aventuras.
Não sou um estrangeiro nos navios.
O rosto comum, o do cobrador de impostos,
Do comerciante, do soldado, não me distingue na multidão.
Nem me recuso a prestar a devida homenagem
Aos deuses locais. E como o que se come.
É quanto basta dizer sobre si mesmo.
Miodrag Pávlovitch
Réquiem
Desta vez
morreu alguém por perto
Réquiem
no parque cinzento
sob o céu carrancudo
As mulheres seguiram o corpo morto
a morte ficou no quarto vazio
e desceu a cortina
Sintam
o mundo ficou mais leve
por um cérebro humano
Silêncio agradável depois do almoço
o menino descalço senta-se ao portão
e come uvas
Será que alguém permanece fiel
àquilo que perdeu
Vocês não devem ter pressa com a morte
ninguém se parece com ninguém
os filhos pensam em brinquedos
E não se despeçam ao partir
isso é engraçado
e ofensivo
morreu alguém por perto
Réquiem
no parque cinzento
sob o céu carrancudo
As mulheres seguiram o corpo morto
a morte ficou no quarto vazio
e desceu a cortina
Sintam
o mundo ficou mais leve
por um cérebro humano
Silêncio agradável depois do almoço
o menino descalço senta-se ao portão
e come uvas
Será que alguém permanece fiel
àquilo que perdeu
Vocês não devem ter pressa com a morte
ninguém se parece com ninguém
os filhos pensam em brinquedos
E não se despeçam ao partir
isso é engraçado
e ofensivo
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
Lucian Blaga
A SAUDADE
Sedento bebo teu perfume
e seguro teu rosto
com ambas as mãos,
como quem segura na alma um milagre.
Queima-nos a proximidade,
olhos nos olhos,
como estamos.
E contudo me sussurras: "Tenho tanta saudade de ti!"
Falas tão misteriosa e desejosa,
como se eu estivesse exilado em outro mundo.
Mulher.
que mares levas no peito, e quem és?
Canta ainda uma vez mais tua saudade,
por que te ouça
e os instantes me pareçam botões prenhes
de que florescessem de fato... eternidades.
• De Poemele Luminii (Os Poemas da Luz), 1919
Sedento bebo teu perfume
e seguro teu rosto
com ambas as mãos,
como quem segura na alma um milagre.
Queima-nos a proximidade,
olhos nos olhos,
como estamos.
E contudo me sussurras: "Tenho tanta saudade de ti!"
Falas tão misteriosa e desejosa,
como se eu estivesse exilado em outro mundo.
Mulher.
que mares levas no peito, e quem és?
Canta ainda uma vez mais tua saudade,
por que te ouça
e os instantes me pareçam botões prenhes
de que florescessem de fato... eternidades.
• De Poemele Luminii (Os Poemas da Luz), 1919
sábado, 17 de outubro de 2009
Juan Gelman
la esperanza fracassa muchas veces, el dolor jamás. por
eso algunos creen que más vale dolor conocido que dolor
por conocer. creen que la esperanza és ilusión. son los
ilusos del dolor.
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
Mia Couto
Poema de Despedida
Não saberei nunca
dizer adeus
Afinal,
só os mortos sabem morrer
Resta ainda tudo,
só nós não podemos ser
Talvez o amor,
neste tempo,
seja ainda cedo
Não é este sossego
que eu queria,
este exílio de tudo,
esta solidão de todos
Agora
não resta de mim
o que seja meu
e quando tento
o magro invento de um sonho
todo o inferno me vem à boca
Nenhuma palavra
alcança o mundo, eu sei
Ainda assim,
escrevo
sábado, 3 de outubro de 2009
Lucian Blaga
Aos leitores
Aqui é minha casa. Ali ficam o sol e o jardim com colméias.
Vocês vêm pela trilha, olham da porta por entre as grades
e esperam que eu fale. ... Por onde começar?
Creiam em mim, creiam em mim,
sobre seja o que for pode-se falar quanto se queira:
sobre o destino e sobre a serpente do bem,
sobre os arcanjos que lavram com o arado
os jardins do homem,
sobre o céu para onde crescemos,
sobre o ódio e a queda, tristezas e crucifixões
e acima de tudo sobre a grande travessia.
Mas as palavras são as lágrimas de quem teria desejado
tanto chorar e não pôde.
São tão amargas as palavras todas,
por isso... deixem-me
passar mudo por entre vocês
sair à rua de olhos fechados.
(1924)
Aqui é minha casa. Ali ficam o sol e o jardim com colméias.
Vocês vêm pela trilha, olham da porta por entre as grades
e esperam que eu fale. ... Por onde começar?
Creiam em mim, creiam em mim,
sobre seja o que for pode-se falar quanto se queira:
sobre o destino e sobre a serpente do bem,
sobre os arcanjos que lavram com o arado
os jardins do homem,
sobre o céu para onde crescemos,
sobre o ódio e a queda, tristezas e crucifixões
e acima de tudo sobre a grande travessia.
Mas as palavras são as lágrimas de quem teria desejado
tanto chorar e não pôde.
São tão amargas as palavras todas,
por isso... deixem-me
passar mudo por entre vocês
sair à rua de olhos fechados.
(1924)
terça-feira, 22 de setembro de 2009
Laura Riding
COMO NASCE UM POEMA
A necessidade nos acossa como acusação de impotência:
Você pode ou não falar mais alto,
Provar que está presente?
O que você precisa encontrar para dizer,
Para passar o saber que você existe
À revelia dos crentes ou descrentes
Da nossa espécie em cada um,
Você pode chegar junto ao chegar perto deles
E deixar o assunto de aceitação
Suspenso entre sua oferta
E seu destino com eles no tempo.
(Isto se chama "prosà'!)
Ou você pode convidar ouvintes,
Sem esperar por eles ─
Fazendo do que você acha para dizer
Um testemunho de si, se ausente de ouvintes.
(Assim o poema se constrói:
Para ser entregue numa distância curta.
Mesmo sem platéia, fala.)
A realidade num poema é inextensível.
Abrange a vontade de falar mais alto,
Mas, se presume incluir
A vontade visitante de ouvir o que é dito,
Finge ser uma
Presença além da sua mesma.
o que mais pode ser feito?
Não falamos mais um com o outro?
Pomos palavras no ar e no papel
Que viajam entre nós como se o real,
Sob a proteção do tempo,
Com nem tudo perdido entre uma e outra,
Estas, aquelas e suas outras,
Ou perdidas de uma vez?
Não fosse isto um poema
Eu falaria sobre o falar,
Escreveria sobre o falar (e sobre o escrever),
Que se guardaria para o outro, outros,
Se construiria para todo mundo,
Ou para ninguém, contendo em si sua força viajante,
Sem precisar de uma graça de tempo para resgatá-Io
De uma perda total.
Ou eu falaria, escreveria, assim,
Esforçando-me para construir, quero dizer,
Algo ligando nossos entendimentos
Numa realidade de palavras, de eus, de outros,
Mais dizível, mais penetrável, habitável, aberta.
domingo, 13 de setembro de 2009
Antonio Machado
Era um menino a sonhar
com um cavalo de cartão.
O menino abriu os olhos
e não viu o cavalinho.
Com um cavalinho branco
ele voltou a sonhar;
pelas crinas o prendia...
Assim não te escaparás!
Mal o conseguiu prender,
logo o menino acordou.
Tinha a sua mão fechada.
O cavalinho voou!
O menino ficou sério,
pensando não ser verdade
um cavalinho sonhado.
Já não voltou a sonhar.
E o menino fez-se moço
e o moço teve um amor,
e dizia à sua amada:
Tu és de verdade ou não?
Quando o moço se fez velho
pensava: Tudo é sonhar,
o cavalinho sonhado
e o cavalo de verdade.
E quando chegou a morte,
o velho ao seu coração
perguntava: Tu és sonho?
Quem saberá se acordou!
Quando o moço se fez velho
pensava: Tudo é sonhar,
o cavalinho sonhado
e o cavalo de verdade.
E quando chegou a morte,
o velho ao seu coração
perguntava: Tu és sonho?
Quem saberá se acordou!
Kim Hyón-sung
Janela
Amar a janela -
soa melhor do que amar o sol
porque não ofusca
Se se perde a janela
perde-se o estreito por onde se avança ao céu
e a alegria é para nós
a notícia de hoje
Pois quando limpamos a janela
é também quando podemos cantar
Dizem que as estrelas são terras alheias de dezembro,
distantes distantes...
E conservando a janela limpa e cristalina
exercitamos o hábito de abrir gentilmente os olhos,
e que os olhos límpidos
sejam os nossos corações reluzentes
na espera do amanhã...
Amar a janela -
soa melhor do que amar o sol
porque não ofusca
Se se perde a janela
perde-se o estreito por onde se avança ao céu
e a alegria é para nós
a notícia de hoje
Pois quando limpamos a janela
é também quando podemos cantar
Dizem que as estrelas são terras alheias de dezembro,
distantes distantes...
E conservando a janela limpa e cristalina
exercitamos o hábito de abrir gentilmente os olhos,
e que os olhos límpidos
sejam os nossos corações reluzentes
na espera do amanhã...
quinta-feira, 10 de setembro de 2009
Miodrag Pávlovitch
A forma desejada
O que significa a "forma que se deseja"?
Claro, é o aspecto em cuja a direção a ânsia caminha,
com a qual deseja proximidade, e que pretende ter em sua morada.
Ainda assim, o que deseja aproxima-se de modo insuficiente
e não se pode colocá-lo sob controle.
Existe a forma que se admira, que se busca,
o que se carrega, não é preciso interromper a vontade
de contemplá-la, a volição não conduz mesmo a lugar algum.
Quando se encontra a forma desejada, e consegue-se ficar
com ela,
obtém-se um desejo que também se torna bagagem.
A imprecisão do desejo tem um aspecto positivo:
pode transformar cada um de nós em outra coisa,
a forma desejada se torna alta ciência, indicador de caminhos
da rendenção inscrito em estrelas, charada que suas letras
sequer precisa expressar, promessa de abundância
e tesouro que se concentra em nossas mãos, para que
possamos submetê-lo ao consumo, aquela mão ocupada
da fecundidade
e força que nasce no mundo para nele depois
desapossar a plenitude e lançar no precipício o arvoredo
primevo.
Aquilo que nos atrai e chama - articula a tentação
e conduz-nos ao bosque que jamais foi o do paraíso
em nome da perfeição ali até o crime acaba justificado
assim é desde o princípio - os outros são postos de lado
para que nossa verdade seja executada como se fosse
descoberta
ou renunciamos ao mundo para que enxerguemos a beleza
escondida atrás da mente e descatemos as aparências
que pediam para serem apagadas da lista e trocadas.
Por isso, toda a ânsia é vil, ao menos no início
até que surja um novo poder, habitualmente
pior e violento que o anterior, e então instaura-se
a possibilidade
e a forma que nos traduz para outra língua.
Arrancamos as raízes da floresta virgem e aproximamo-nos
daquilo
que volteia como pássaro acima do sol poente
depois se aninha sobre a árvore sagrada e doura
a forma depositada no tronco na ramagem-que-jamais-murcha.
quinta-feira, 3 de setembro de 2009
Jorge Luis Borges
Elogio da sombra
A velhice (tal é o nome que os outros lhe dão)
pode ser o tempo de nossa felicidade.
O animal morreu ou quase morreu.
Restam o homem e sua alma.
Vivo entre formas luminosas e vagas
que não são ainda a escuridão.
Buenos Aires,
que antes se espalhava em subúrbios
em direção à planície incessante,
voltou a ser La Recoleta, o Retiro,
as imprecisas ruas do Oncee
as precárias casas velhas
que ainda chamamos o Sul.
Sempre em minha vida foram demasiadas as coisas;
Demócrito de Abdera arrancou os próprios olhos para
pensar;
o tempo foi meu Demócrito.
Esta penumbra é lenta e não dói;
flui por um manso declive
e se parece à eternidade.
Meus amigos não têm rosto,
as mulheres são aquilo que foram há tantos anos,
as esquinas podem ser outras,
não há letras nas páginas dos livros.
Tudo isso deveria atemorizar-me,
mas é um deleite, um retorno.
Das gerações dos textos que há na terra
só terei lido uns poucos,
os que continuo lendo na memória,
lendo e transformando.
Do Sul, do Leste, do Oeste, do Norte
convergem os caminhos que me trouxeram
a meu secreto centro.
Esses caminhos foram ecos e passos,
mulheres, homens, agonias, ressurreições,
dias e noites,
entressonhos e sonhos,
cada ínfimo instante do ontem
e dos ontens do mundo,
a firme espada do dinamarquês e a lua do persa,
os atos dos mortos,
o compartilhado amor, as palavras,
Emerson e a neve e tantas coisas.
Agora posso esquecê-las. Chego a meu centro,
a minha álgebra e minha chave,
a meu espelho.
Breve saberei quem sou.
Rainer Maria Rilke
Primeira Elegia
Quem, se eu gritasse, entre as legiões de Anjos
me ouviria? E mesmo que um deles me tomasse
inesperadamente em seu coração, aniquilar-me-ia
sua existência demasiado forte. Pois que é o Belo
senão o grau do terrível que ainda suportamos
e que admiramos porque, impassível, desdenha
destrui-nos? Todo Anjo é terrível.
E eu me contenho, pois, e reprimo o apelo
do meu soluço obscuro. Ai, quem nos poderia
valer? Nem Anjos, nem homens
e o intuitivo animal logo adverte
que para nós não há amparo
neste mundo definido. Resta-nos, quem sabe,
a árvore de alguma colina, que podemos rever
cada dia; resta-nos a rua de ontem
e o apego cotidiano de algum hábito
que se afeiçoou a nós e permaneceu.
E a noite, quando o vento pleno dos espaços
do mundo desgasta-nos a face - a quem se furtaria ela,
a desejada, ternamente enganosa, sobressalto para o
coração solitário? Será mais leve para os que amam?
Ai, apenas ocultam eles, um ao outro, seu destino.
Não sabias? Arroja o vácuo aprisionado em teus braços
para espaços que respiramos - talvez os pássaros
sentirão o ar mais dilatado, num vôo mais comovido.
Sim, as primaveras precisam de ti.
Muitas estrelas queriam ser percebidas.
Do pássaro profundo afluía uma vaga, ou
quando passavas sob uma janela aberta,
uma viola d'amore se abandonava. Tudo isto era missão.
Acaso a cumpriste? Não estavas sempre
destraído, à espera, como se tudo
anunciasse a amada? (Onde queres abriga-la,
se grandes e estranhos pensamentos vão e vem
dentro de ti e, muitas vezes, se demoram nas noites?)
Se a nostalgia vier, porém, canta as amantes;
ainda não é bastante imortal sua celebrada ternura.
Tu quase as invejas - essas abandondas
que te parecem tão mais ardentes que as
apaziguadas. Retoma infinitamente o inesgotável
louvor. Lembra-te: o herói permanece, sua queda
mesmo foi um pretexto pra ser - nascimento supremo.
Mas às amantes, retoma-as a natureza no seio
esgotado, como se as forças lhe faltassem
para realizar duas vezes a mesma obra.
Com que fervor lembraste Gaspara Stampa,
cujo exemplo sublime faça enfim pensar uma jovem
qualquer, abandonada pelo amante> por que não sou
como ela? Frutificarão afinal esses longínquos
sofrimentos? Não é tempo daqueles que amam libertar-se
do objeto amado e superá-lo, frementes?
Assim a flecha ultrapassa a corda, para ser no vôo
mais do que ela mesma. Pois, em parte alguma se detém.
Vozes, vozes. Ouve, meu coração, como outrora apenas
os santos ouviam, quando o imenso chamado
os erguia do chão; eles porém permaneciam ajoelhados,
os prodigiosos, e nada percebiam,
tão absortos ouviam. Não que possas suportar
a voz de Deus, longe disso. Mas ouve essa aragem,
a incessante mensagem que gera o silêncio
Ergue-se agora, para que ouças, o rumor
dos jovens mortos. Onde quer que fosses,
nas igrejas de Roma e Nápoles, não ouvias a voz
de seu desino tranquilo? Ou inscrições não se ofereciam,
sublimes? A estrela funerária em Santa Maria Formosa...
O que pede essa voz? A ansiada libertação
da aparência de injustiça que as vezes pertuba
a agilidade pura de suas almas.
É estralho, sem dúvida, não habitar mais a terra,
abandonar os hábitos apenas aprendidos,
às roas e outras coisas singularmente promissoras
não atribuir mais o sentido do vir-a-ser humano;
o que se era, entre mãos trêmulas, medrosas,
não mais ser; abandonar até mesmo o próprio nome
como se abandona um brinquedo partido.
Estranho, não desejar mais nossos desejos. Estranho,
ver no espaço tudo quanto se encadeava, esvoaçar,
desligado. E o estar-morto é penoso
e quantas tentativas até encontrar em seu seio
um vestígio de eternidade. - Os vivos cometem
o grande erro de distinguir demasiado
bem. Os Anjos (dizem) muitas vezes não sabem
se caminham entre vivos ou mortos.
Através das duas esferas, todas as idades a corrente
eterna arrasta. E a ambas domina com seu rumor.
Os mortos precoces não precisam de nós, eles
que se desabituam do terrestre, docemente,
como de suave seio maternal. Mas nós,
ávidos de grandes mistérios, nós que tantas vezes
só através da dor atingimos a feliz transformação, sem eles
poderíamos ser? Inutilmente foi que outrora, a primeira
música para lamentar Linos, violentou a rigidez da
matéria inerte? No espaço que ele abandonava, jovem,
quase deus, pela primeira vez o vácuo estremeceu
em vibrações - que hoje trazem êxtase, consolo e amparo.
quarta-feira, 2 de setembro de 2009
Sándor Kányádi
domingo, 30 de agosto de 2009
Lucian Blaga
Eu não piso a corola dos milagres do mundo
Eu não piso a corola dos milagres do mundo
e não mato
com a mente os mistérios que encontro
em meu caminho
nas flores, nos olhos, nas bocas ou nas campas.
A luz de outros
sufoca o encanto do impenetrável escondido
nas profundezas de trevas,
mas eu,
eu com minha luz acrecento ao mistério do mundo
e exatamente como com seus brancos raios a lua
não míngua mas, trêmula,
aumenta ainda mais o mistério da noite,
assim enriqueço também eu o horizonte das trevas
com amplos calafrios de santos segredos,
e todo o incompreendido
muda-se em imcompreensções ainda maiores
sob meus olhos -
pois eu amo
tantas folhas quantos olhos, tantas bocas quantas campas.
[1919]
Eu não piso a corola dos milagres do mundo
e não mato
com a mente os mistérios que encontro
em meu caminho
nas flores, nos olhos, nas bocas ou nas campas.
A luz de outros
sufoca o encanto do impenetrável escondido
nas profundezas de trevas,
mas eu,
eu com minha luz acrecento ao mistério do mundo
e exatamente como com seus brancos raios a lua
não míngua mas, trêmula,
aumenta ainda mais o mistério da noite,
assim enriqueço também eu o horizonte das trevas
com amplos calafrios de santos segredos,
e todo o incompreendido
muda-se em imcompreensções ainda maiores
sob meus olhos -
pois eu amo
tantas folhas quantos olhos, tantas bocas quantas campas.
[1919]
quarta-feira, 19 de agosto de 2009
Kim Tchun-su
Flor
Antes de eu pronunciar o nome
ele não era
mais que um simples gesto
Quando eu lhe pronunciei o nome
ele veio a mim
e se tornou uma flor
Assim como chamei-lhe o nome
alguém me chama o nome
que combine com o meu nariz e o meu perfume
Também quero ir até ele
e tornar-me a sua flor
Todos nós queremos ser algo
Eu para você, você para mim
Queremos ser
um inesquecível
significado
domingo, 9 de agosto de 2009
e.e.cummings
pequenos segredos da vida a cada passo
cantem lá o que for é melhor que saber
e quem não os ouve já se pôs a envelhecer
possa minha mente vagar com fome
e sem medo e sedenta e conforme
e mesmo domigo que eu possa esmorecer
pois quem tudo acerta jovem já deixou de ser
e possa eu mesmo fazer nada utilmente
e amar-te a ti tão mais veramente
pois tal tolo nunca houve que incapaz disto:
pôr todo o céu nas costas com um só riso
quinta-feira, 30 de julho de 2009
Bernardo Soares
E assim sou, fútil e sensível, capaz de impulsos violentos e absorventes, maus e bons, nobres e vis, mas nunca de um sentimento que subsista, nunca de uma emoção que continue, e entre para a substância da alma. Tudo em mim é uma tendência para ser a seguir outra coisa; uma impasciência da alma consigo mesma, como uma criança inoportuna; um desassossego sempre crescente e sempre igual. Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entonações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção que nela se disse, da minha parte de com quem falei. Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que me não recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância - irmãos siameses que não estão pegados.
quarta-feira, 29 de julho de 2009
Lucian Blaga
Biografia
Onde e quando eu vim à luz não sei.
Da sombra, só, eu me esforço por crer
ser o mundo um cantar.
Estranho sorrio entre enleios que me suspendem:
as coisas me vêm completar e espantar.
Por vezes falo palavras que não me compreedem,
Por vezes amo coisas que não me correspondem.
De ventos e façanhas sonhadas meus olhos vão cheios.
Ando como um qualquer, quanto a andar:
quando culpado sobre os telhados de geena,
se sem pecado por sobre montanhas de açucenas.
Fechado no círculo das mesmas lareiras
troco mistérios com os antigos,
o povo lavado pelas águas de sob as pedreiras.
A noite se passa suave por que escute mudo
como em mim trasborda tudo
das lendas do sangue esquecido de há muito.
Abençôo a lua e o pão.
Os dias vivo espalhado pelo trovão.
Com palavras presas na garganta
cantei a grande travessia, e ainda canto,
o sono do mundo, os anjos de cera.
De um ombro para o outro, calado,
eu troco minha estrela como um fardo.
Da sombra, só, eu me esforço por crer
ser o mundo um cantar.
Estranho sorrio entre enleios que me suspendem:
as coisas me vêm completar e espantar.
Por vezes falo palavras que não me compreedem,
Por vezes amo coisas que não me correspondem.
De ventos e façanhas sonhadas meus olhos vão cheios.
Ando como um qualquer, quanto a andar:
quando culpado sobre os telhados de geena,
se sem pecado por sobre montanhas de açucenas.
Fechado no círculo das mesmas lareiras
troco mistérios com os antigos,
o povo lavado pelas águas de sob as pedreiras.
A noite se passa suave por que escute mudo
como em mim trasborda tudo
das lendas do sangue esquecido de há muito.
Abençôo a lua e o pão.
Os dias vivo espalhado pelo trovão.
Com palavras presas na garganta
cantei a grande travessia, e ainda canto,
o sono do mundo, os anjos de cera.
De um ombro para o outro, calado,
eu troco minha estrela como um fardo.
[1929]
terça-feira, 28 de julho de 2009
Czeslaw Milosz
NÃO MAIS
Preciso contar um dia como mudei
Minha opinião sobre a poesia e por que
Me considero hoje um dos muitos
Mercadores e artesãos do Império do Japão
Compondo versos sobre a floração da cerejeira,
Sobre crisântemos e a lua cheia.
Se eu pudesse descrever as cortesãs
De Veneza, como incitam com uma vareta o
pavão no pátio
E desfolhar do tecido sedoso, da cinta nacarina
Os seios pesados, a marca
Avermelhada no ventre onde o vestido se
abotoa,
Ao menos assim como as viu o dono das
galeotas
Arribadas àquela manhã carregando ouro;
E se ao mesmo tempo pudesse encerrar seus
pobres ossos
No cemitério, onde o mar oleoso lambe
o portão,
Em palavras mais duráveis que o derradeiro
pente
Que entre carcomas sob a lápide, só, espera
pela luz
Não duvidaria. Da resistência da matéria
O que se retém? Nada, quando muito o belo.
Então devem nos bastar as flores da cerejeira
E os crisântemos e a lua cheia.
Mia Couto
Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo
Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que falhei
o sabor do sempre
Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só olhar
amando de uma só vida
Juan Gelman
el pacto
cuando nadaba en dulce oscuridad, nada sabía del pacto
de nacer.la vida es, ciertamente, una de sus cláusulas.
también la muerte y el dolor, el amor, la alegría, el mero
padecer. y el daño que hacemos, el daño que nos hacen,
el espejo celeste donde miramos nuestro estar sobre la
tierra. a ella nos ata la cadena que se balancea sobre
todos los abismos del mismo abismo: ser.
?cuándo es delicia este yugo? o deleite, dejamiento de
sí profunda sangre? cuándo es cosmos mi pedacito de
papel, tan escrito y tachado por todos y por mí? qué
dice el libro humano? en qué balanza pesan esas tintas?
las palabras del puro cemenzar?
la vida es acto que no conoce y cada acto, introducción al
otro no saber. la inteligencia y el instinto encienden fuegos
en la noche, pero es del infinito que estamos exiliados.
así, en tu secreto, crece el árbol que sueña el sueño
donde un gallo, una piedra y la tristeza miran el mundo
enero y lo ponen en la boca de un niño para que el sol beba.
también la muerte y el dolor, el amor, la alegría, el mero
padecer. y el daño que hacemos, el daño que nos hacen,
el espejo celeste donde miramos nuestro estar sobre la
tierra. a ella nos ata la cadena que se balancea sobre
todos los abismos del mismo abismo: ser.
?cuándo es delicia este yugo? o deleite, dejamiento de
sí profunda sangre? cuándo es cosmos mi pedacito de
papel, tan escrito y tachado por todos y por mí? qué
dice el libro humano? en qué balanza pesan esas tintas?
las palabras del puro cemenzar?
la vida es acto que no conoce y cada acto, introducción al
otro no saber. la inteligencia y el instinto encienden fuegos
en la noche, pero es del infinito que estamos exiliados.
así, en tu secreto, crece el árbol que sueña el sueño
donde un gallo, una piedra y la tristeza miran el mundo
enero y lo ponen en la boca de un niño para que el sol beba.
Péter Zirkuli
XII
Viveríamos apenas.
Os caminhos aceitariam os nossos passos,
e as florestas a nossa respiração.
Por vezes tirarias o vestido,
e caminharíamos nus
por entre as vozes pressentidas
dos carros e de outros nómadas.
Porque estou farto
de todo este engano,
desta reunião para fins de caridade,
que pouco a pouco e sem descanso
me recupera,
me torna apto
para chegar ao dia de amanhã,
o tempo enfim dos poros em putrefacção,
a minha morte.
É um adiamento
sem igual -
cada vez mais ímpar,
que só o homem podia inventar
na sua perturbação distraída,
no seu esforço.
Por isso a sociedade
às vezes ainda me irrita,
e eu a mim próprio mas cada vez menos.
Pois o que procuro é:
tão só um lugar, onde fôssemos
como animais lentos,
como objectos reencontrados.
Onde fosse comparável ao teu
o mapa das linhas da minha mão,
o tom desmaiado das minhas gengivas,
a trama inútil dos meus gestos.
segunda-feira, 27 de julho de 2009
Francis Ponge
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