quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Czeslaw Milosz



A Song on the End of the World

On the day the world ends
A bee circles a clover,
A fisherman mends a glimmering net.
Happy porpoises jump in the sea,
By the rainspout young sparrows are playing
And the snake is gold-skinned as it should always be.

On the day the world ends
Women walk through the fields under their umbrellas,
A drunkard grows sleepy at the edge of a lawn,
Vegetable peddlers shout in the street
And a yellow-sailed boat comes nearer the island,
The voice of a violin lasts in the air
And leads into a starry night.

And those who expected lightning and thunder
Are disappointed.
And those who expected signs and archangels’ trumps
Do not believe it is happening now.
As long as the sun and the moon are above,
As long as the bumblebee visits a rose,
As long as rosy infants are born
No one believes it is happening now.

Only a white-haired old man, who would be a prophet
Yet is not a prophet, for he’s much too busy,
Repeats while he binds his tomatoes:
There will be no other end of the world,
There will be no other end of the world.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Rafael R. Macêdo




seria assim

gosto da leveza que brota da tua gengiva, se acontece de você sorrir;
da combinação formosa da tua saia cáqui, assim, bordada,
com o azul escuro das tuas sapatilhas.

gosto disso; não sei por que.

e do modo curioso dos teus olhos ágeis, estrangeiros, infantis, cientes de tudo,
que me reconfortam, sem que você saiba, desde muito tempo...
sem que pra isso eu tenha escutado sequer teu nome,

como se tivesse sido sempre assim:
cálido e passageiro, ambíguo e inevitável,
contemplar teu rosto de longe e sempre.

por isso eu fico aqui.

do contrário, estaríamos longe agora, deitados, eu e você, assim:
preguiçosos e esquecidos, numa grama qualquer daqui,
invisíveis feito a chuva modesta, que de tão fina, cede seu passo à força do vento,
marejando os olhos da senhora gorda com carinho.

e talvez houvesse uma taça, muriçocas ou então formigas,
e assim você soubesse que prefiro sempre dormir de meias,
mesmo que não faça frio, que me sinto mais seguro assim.

e quem sabe você me contasse, numa calma sedutora,
apoiando suas costas pelos cotovelos, desse jeito,
tudo quanto foi seu dia até aqui, tudo quanto foi sua vida até eu te olhar;

e por tudo encontraria em mim uma expressão confortável de alegria,
feito uma esperança satisfeita, como se o tempo cochilasse,
se esquecesse da pressa, numa brincadeira morna e suave,
tão antiga quanto o próprio mundo.

seria assim, eu sei.
e de que outra forma poderia ser, meu deus?

Edwin Morgan




De uma Varanda da Cidade


Quantas vezes quando penso em você o dia se ilumina!
Nosso amor silencioso
vagueia no Glen Fruin com borboletas e cucos -
me traz a sonolênca do campo! Deixe que flutue sobre o tráfego
pela janela aberta com uma nuvem de testemunhas -
uma queimadura cintilante, ovelhas brancas, a chama do junco,
os cucos chamando loucamente, a nuvem branca real sobre nós,
borboletas brancas sobre sua mão na curta grama quente,
e então a testemunha era minha mão fechando na sua,
minha boca penteando suas pálpebras e seu lábios
muitas vezes até você suspirar e se voltar para o amor.
Seu peito e coxas estavam ardendo como o junco.
Eu cobri sua fogueira em silêncio ali.
Deixamos o dia envelhecer junto com a grama.
Era em silêncio que o amor estava.

Passos e testemunhas! Nesta varanda de Glasgow quem serve
alegria como a água da montanha? Ela enche, transborda outra vez
para baixo da terra árida e rodas implacáveis.
Quantas vezes eu pensarei em você, até
que nossos passos moribundos esqueçam esta luz, esqueçam
que um dia conhecemos o vale feliz,
ou que um dia eu disse, Nós devemos pular em direção ao sol,
e nós pulamos em direção ao sol.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Wislawa Szymborska



Repenso o mundo

Repenso o mundo, segunda edição,
segunda edição corrigida,
aos idiotas o riso,
aos tristes o pranto,
aos carecas o pente,
aos cães botas.

Eis um capítulo: A Fala dos Bichos e das Plantas,
com um glossário próprio
para cada espécie.
Mesmo um simples bom dia
trocado com um peixe,
a ti, ao peixe, a todos
na vida fortalece.

Essa há muito pressentida,
de súbito revelada,
improvisação da mata.
Essa épica das corujas!
Esses aforismos do ouriço
compostos quando imaginamos
que, ora, está só adormecido!

O tempo (capítulo dois)
tem o direito de se meter
em tudo, coisa boa ou má.
Porém - ele que pulveriza montanhas
remove oceanos e está
presente na órbita das estrelas,
não terá o menor poder
sobre os amantes, tão nus
tão abraçados, com o coração alvoroçado
como um pardal na mão pousado.

A velhice é uma moral
só na vida de um marginal.
Ah, então todos são jovens!
O sofrimento (capítulo três)
não insulta o corpo.
A morte
chega com o sono.

E vais sonhar
que nem é preciso respirar,
que o silêncio sem ar
não é uma música má,
pequeno como uma fagulha,
a um toque te apagarás.

Morrer, só assim. Dor mais dolorosa
tiveste segurando nas mãos uma rosa
e terror maior sentiste ao som
de uma pétala caindo no chão.

O mundo, só assim. Só assim
viver. E morrer só esse tanto.
E todo o resto - é como Bach
tocado por um instante
num serrote.