terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Viktor Chkloviski




Uma teoria da prosa

Se estudarmos com relativa atenção as leis da percepção, não tardaremos a perceber que os atos habituais tendem a se tornar automáticos. Todos os nossos hábitos provêm da esfera do inconsciente e do automatismo. Para se dar conta disso, basta lembrar a sensação experimentada ao segurar uma caneta pela primeira vez, ou quando se começa a falar uma língua estrangeira, e compará-la à que acompanha o mesmo ato na sua milésima repetição. As leis da linguagem cotidiana, com suas frases incompletas e suas palavras pronunciadas apenas pela metade, se explicam precisamente a partir do automatismo de certos processos. [...] a vida passa, se anula. A automatização engole tudo: as coisas, roupas, móveis, a mulher e o medo da guerra.

Para ressuscitar nossa percepção da vida, para tornar sensíveis as coisas, para fazer da pedra uma pedra, existe o que chamamos de arte. O propósito da arte é nos dar uma sensação da coisa, uma sensação que deve ser a visão e não apenas o reconhecimento. Para obter tal resultado, a arte se serve de dois procedimentos: o estranhamento das coisas e a complicação da forma, com a qual tende a tornar mais difícil a percepção e prolongar sua duração. Na arte, o processo de percepção é de fato um fim em si mesmo e deve ser prolongado. A arte é um meio de experimentar o devir de uma coisa; para ela, o que foi não tem a menor importância.