quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Daniel Kahneman

 O controlador preguiçoso

O Sistema 2 possui uma velocidade natural. Você gasta alguma energia mental em pensamentos aleatórios e em monitorar o que acontece em torno de si mesmo quando sua mente não faz nada em particular mas há pouca tensão. A menos que você esteja numa situação que o deixe extraordinariamente cauteloso ou constrangido, monitorar o que acontece no ambiente ou dentro de sua cabeça exige pouco esforço. Você toma várias pequenas decisões conforme dirige seu carro, absorve alguma informação conforme lê o jornal e conversa amenidades rotineiras com um cônjuge ou colega, tudo com pouco esforço e nenhuma tensão. Exatamente como um passeio.

A transição para uma caminhada mais acelerada acarreta uma acentuada degradação em nossa capacidade de pensar coerentemente. [...] A capacidade de levar uma cadeia de pensamentos a uma conclusão fica igualmente prejudicada. [...] Autocontrole e pensamento deliberado aparentemente exigem o mesmo orçamento limitado de esforço.

Para a maioria de nós, na maior parte do tempo, a manutenção de uma cadeia coerente de pensamento e o ocasional envolvimento de um pensamento trabalhoso também exigem autocontrole.  Embora eu não tenha conduzido um estudo sistemático, desconfio que a comutação frequente de tarefas e a aceleração do trabalho mental não sejam intrinsicamente prazerosos, e que as pessoas os evitam na medida do possível. É assim que a lei do menor esforço se torna uma lei. Mesmo na ausência de pressão do tempo, manter uma cadeia de pensamentos coerente exige disciplina. Alguém que observe o número de vezes que verifico meus e-mails ou olho dentro da geladeira durante uma hora em que estou escrevendo poderia inferir razoavelmente uma vontade de escapar e concluir que me manter na tarefa exige mais autocontrole do que sou capaz de reunir.

[...] As pessoas às vezes empregam esforço considerável por longos períodos de tempo sem ter de empregar a força de vontade. Um estado de fluxo, de atenção sem esforço. As pessoas que experimentam o fluxo descrevem-no como “um estado de concentração sem esforço tão profundo que elas perdem a noção do tempo, de si mesmas, de seus problemas”, e suas descrições de alegria desse estado são tão persuasivas que Csikszentmihalyi o chamou de uma “experiência ótima”. Muitas atividades podem induzir uma sensação de fluxo, desde pintar até participar de uma corrida de motocicletas – e para alguns escritores sortudos que conheço, até escrever um livro é muitas vezes uma experiência ótima. O fluxo separa distintamente as duas formas de esforço: concentração na tarefa e controle deliberado da atenção. Correr de moto à 250 km/h e disputar uma partida competitiva de xadrez são sem dúvida ações muito trabalhosas. Em um estado de fluxo, porém, manter a atenção concentrada nessas atividades absorventes não exige nenhum emprenho do autocontrole, desse modo liberando os recursos para serem dirigidos à tarefa que se apresenta.

O OCUPADO E ESGOTADO SISTEMA 2

Tanto o autocontrole quanto o esforço cognitivo são formas de trabalho mental. [...] Pessoas que são desafiadas simultaneamente por uma tarefa cognitiva exigente e por uma tentação muito provavelmente vão ceder à tentação. [...] O Sistema 1 exerce maior influência no comportamento quando o Sistema 2 está ocupado. [...] Pessoas que estão cognitivamente ocupadas também têm maior probabilidade de fazer escolhas egoístas, usar linguajar sexista e fazer julgamentos superficiais em situações sociais. Algumas doses de álcool exercem o mesmo efeito, assim como uma noite insone. O autocontrole de pessoas que acordam cedo fica prejudicado à noite; o inverso é verdadeiro para pessoas notívagas. Preocupação demasiada sobre estar executando bem uma tarefa às vezes atrapalha o desempenho ao carregar a memória de curto prazo com pensamentos ansiosos desnecessários. A conclusão é inequívoca: autocontrole exige atenção e esforço.  Controlar pensamentos e comportamentos é uma das tarefas que o Sistema 2 realiza.

[...] Se você se vê forçado a fazer algo, fica menos disposto ou menos capaz de exercer autocontrole quando o próximo desafio se apresenta. O fenômeno tem sido chamado de esgotamento do ego. [...] As pessoas de ego esgotado (ou esgotamento do autocontrole)  sucumbem mais rapidamente à necessidade de desistir. [...] Todas as situações e tarefas causadoras de esgotamento do autocontrole envolvem conflito e a necessidade de suprimir uma tendência natural.

Atividades que impõe altas exigências ao Sistema 2 requerem autocontrole, e a aplicação de autocontrole é exaustiva e desagradável. Ao contrário da carga cognitiva, o esgotamento do ego é ao menos em parte uma perda de motivação. Após exercer o autocontrole numa tarefa, você não se sente disposto a empreender esforço em outra, embora pudesse, se realmente tivesse de fazê-lo. [...] Esgotamento do ego não é o mesmo estado mental que ocupação cognitiva.

A ideia de energia mental é mais do que uma simples metáfora. O sistema nervoso consome mais glicose do que outras partes do corpo, e atividade mental trabalhosa parece ser particularmente dispendiosa na moeda da glicose. Quando você está ativamente envolvido em um raciocínio cognitivo difícil ou ocupado numa tarefa que exige autocontrole, seu nível de glicose no sangue cai. O efeito é análogo a um corredor que suga glicose armazenada em seus músculos num tiro. A implicação óbvia dessa ideia é que os efeitos dos esgotamento do ego podem ser anulados com a ingestão de glicose, e Baumeister e seus colegas confirmaram essa hipóteses em diversos experimentos.

Erros intuitivos são muito mais frequentes entre pessoas com esgotamento do ego.

Juízes cansados e com fome tendem a incorrer na mais fácil posição default de negar os pedidos de condicional. Tanto o cansaço como a fome provavelmente desempenham um papel.

O PREGUIÇOSO SISTEMA 2

Uma das principais funções do Sistema 2 é monitorar e controlar pensamentos e ações ‘sugeridos’ pelo Sistema 1, permitindo que parte deles sejam expressos diretamente no comportamento e suprimindo ou modificando outros.

Shane Frederick. Teoria do julgamento baseada nos dois Sistemas. Até que ponto o Sistema 2 monitora de perto as sugestões do Sistema 1?

Muitas pessoas são superconfiantes, inclinadas a depositar excessiva fé em suas intuições. Elas aparentemente acham o esforço cognitivo no mínimo moderadamente desagradável e evitam no máximo que podem.

Todas as rosas são flores.
Algumas flores murcham rápido.
Logo, algumas rosas murcham rápido.

Esse experimento tem implicações desencorajadoras para o raciocínio na vida cotidiana. Ele sugere que quando as pessoas acreditam que uma conclusão é verdadeira, também ficam muito propensas a acreditar nos argumentos que parecem sustentá-la. Mesmo que esses argumentos não sejam confiáveis. Se o Sistema 1 está envolvido, a conclusão vem primeiro e os argumentos se seguem.

Fatos que sabemos nem sempre vêm à mente quando precisamos deles. Depende da função automática da mente. As pessoas diferem a esse respeito. [...] Inteligência não é só a capacidade de raciocinar; é também a capacidade de encontrar material relevante na memória e mobilizar a atenção quando necessária. A função da memória é um atributo do Sistema 1. Entretanto, qualquer um conta com a opção de reduzir a velocidade – lentidão – para empreender uma busca ativa na memória. O grau de checagem e busca deliberadas é uma característica do Sistema 2, que varia de indivíduo para indivíduo. [...] O fracasso parece ser, pelo menos em certa medida, uma questão de motivação insuficiente, de não tentar com bastante ênfase.

Estudantes são capazes de resolver problemas muito difíceis quando não ficam tentados a aceitar uma resposta superficialmente plausível que venha ã mente. A facilidade com que eles se satisfazem o suficiente para pararem de pensar é inquietante. “Preguiça” é um veredito duro sobre o automonitoramento desses jovens e seu Sistema 2, mas parece injusto. Os que evitam o pecado da indolência intelectual poderiam ser chamados de “empenhados”. São mais alertas, intelectualmente mais ativos, menos dispostos a se satisfazer com repostas superficialmente atraentes, mais céticos acerca de suas intuições. O psicólogo Keit Stranovich diria que são mais racionais.

INTELIGÊNCIA, CONTROLE, RACIONALIDADE

Pensamento e autocontrole: Se as pessoas fosse classificadas segundo seu autocontrole e segundo sua competência cognitiva, os indivíduos teriam posições similares nas duas classificações?

Crianças que exigem maior autocontrole aos 4 anos de idade objetem notas substancialmente mais altas em testes de inteligência. Os “resistentes”tem grau mais elevado de controle de execução em tarefas cognitivas e especialmente a capacidade de realocar efetivamente sua atenção. Como jovens adultos, eram menos propensos a suar drogas. [...] Treinar a atenção não melhora apenas o controle da execução; acercou-se em testes de inteligência não verbais também melhoravam, e a melhora era conservada por vários meses. Genes específicos estão envolvidos no controle da atenção. Técnicas de criação os pais também afetam essa capacidade e demonstram uma ligação estreita entre a capacidade das crianças de controlar sua atenção e a capacidade de controlar suas emoções.

Pessoas com a função fiscalizadora do Sistema 2 muito fraca tendem a responder as perguntas com a primeira ideia que lhes vêm à mente e relutam em investir o esforço necessário para checar suas intuições. Indivíduos que de modo pouco crítico seguem suas intuições acerca de problemas também são propensos a aceitar outras sugestões do Sistema 1. Em particular, eles são impulsivos, impacientes e ávidos por receber gratificação imediata.

O Sistema 1 é impulsivo e intuitivo; o Sistema 2 é capaz de raciocínio e é cauteloso, mas ao menos para algumas pessoas ele também é preguiçoso. Reconhecemos diferenças relacionadas entre os indivíduos: algumas pessoas são mais como seu Sistema 2; outras estão mais próximas do Sistema 1.

O que torna algumas pessoas mais sucetíveis do que outras a vieses de julgamento?