quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Esther Perel



O enigma da segurança e da aventura    

O que é estar vivo? Poder, validação, confiança e liberdade são as respostas mais comuns. Acrescente o elixir do amor e você terá um coquetel inebriante. Há o despertar e o redespertar sexual, é claro, mas não é só isso. Quem desperta descreve uma sensação de movimento se antes se sentia espremido, uma abertura às possibilidades em uma vida que havia se reduzido a um único caminho previsível, uma onda de intensidade emocional quando antes tudo parecia insosso. Passei a pensar em casos como esses como casos existências, já que chegam fundo à essência da vida. 

Independente de como julguemos suas consequências, essas relações não são frívolas. O poder delas muitas vezes é tão desconcertante para a pessoa envolvida no segredo quanto para o cônjuge que o descobre. Mas existe ordem no caos - um mistério subjacente da natureza humana que leva as pessoas à transgressões inesperadas. [...] O impulso inesperado de desejo erótico nos estimula além do mundano, quebrando de repente o ritmo  e a rotina do cotidiano. O tempo desacelera. O inexorável avanço da idade perde seu vigor. Lugares conhecidos assumem uma beleza renovada. Lugares novos acenam para a nossa curiosidade reestimulada. Os sentidos parecem aguçados - o gosto da comida melhora, a música soa mais doce do que nunca, as cores ficam mais vívidas. 
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Existe uma dolorosa ironia nos casos em que as pessoas percebem que estão se rebelando contra as mesmíssimas coisas que mais estimam. No entanto esse é um apuro comum que reflete um conflito existencial dentro de nós. Buscamos estabilidade e pertencimento, qualidades que nos incitam a estabelecer relações de compromisso, mas também, vicejamos com a novidade e a diversidade. Almejamos por segurança e aventura, mas essas duas necessidades essenciais surgem de diferentes motivações e nos puxam em direções opostas ao longo da vida - representadas pela tensão entre separação e união, individualidade e intimidade, liberdade e compromisso. 
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Lidamos com esses ímpetos opostos desde que chegamos ao mundo. [...] Uma mão se agarra ao conhecido e familiar; a outra se estende para tocar o mistério e a emoção. Procuramos a conexão, a previsibilidade e a confiabilidade para nos arraigarmos firmemente a um lugar. Mas também temos necessidade de mudança, do inesperado, de transcendência. [...] O romance moderno cria uma promessa nova e irresistível: que saciemos as duas necessidades em uma relação. Nosso escolhido pode ser ao mesmo tempo a rocha estável, confiável, e quem nos leva além do mundano.
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No começo da relação, essa mistura de opostos é perfeitamente razoável. É raro que segurança e aventura pareçam mutuamente excludentes. A fase de lua de mel é especial, pois junta o alívio do amor retribuído com a empolgação de um futuro ainda a ser criado. O que muitas vezes não percebemos é que a exuberância do começo é alimentada pelo sentimento subjacente de incerteza. Planejamos tornar o amor mais seguro e confiável, mas nesse processo é inevitável diminuirmos sua intensidade. A caminho do compromisso, trocamos alegremente um pouco de paixão por um pouco mais de certeza, um pouco de empolgação, por um pouco de estabilidade.  O que não esperamos é que o custo escondido que talvez tenhamos de pagar seja a vitalidade erótica da relação.   
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Dados nossos desejos dialéticos, seria o conflito interno que leva à infidelidade inevitável? Somos predispostos a apreciar o hábito e a segurança de casa e fugir para outros lugares em busca de aventuras? Seria possível permanecer vivo com um companheiro de vida? Podemos experimentar a alteridade que almejamos em meio à familiaridade, e o que seria necessário para isso? O amor e o desejo não têm de ser mutuamente excludentes. Muitos casais acham uma maneira de integrar suas contradições sem recorrer à compartimentalização. Mas primeiro temos de entender que jamais eliminaremos o dilema. A conciliação do erótico e do doméstico não é um problema a ser resolvido: é um paradoxo a ser administrado.  


Nan Goldin - Self-Portait in Blue bedroom