sábado, 10 de junho de 2017

Rainer Maria Rilke



Sobre o amor

Nunca entendi como o amor genuíno, elementar, totalmente verdadeiro pode  permanecer não compreendido, pois ele não é outra coisa a não ser o apelo urgente e venturoso ao outro para que seja belo, abundante, grande, intenso, inesquecível: nada senão o transbordante compromisso de que o outro se torne alguma coisa. E, diga-me, que pessoa poderia recusar tal apelo, quando é dirigido a ela, quando a escolhe e a encontra entre milhões de seres onde talvez estivesse oculta num destino ou inabordável no meio da fama...Ninguém pode segurar, agarrar e conter em si tal amor: ele é tão completamente destinado a ser passado adiante para além do indivíduo e necessita do amado apenas para que este lhe dê o impulso mais extremo que o lançará em sua nova órbita entre as estrelas.  

Antônio Damásio


Por que precisamos da consciência

Se em sua opinião a relação ente vida e consciência é surpreendente, considere o seguinte: a sobrevivência depende de encontrar e incorporar fontes de energia e de prevenir todos os tipos de situações que ameaçam a integridade dos tecidos viveríamos. Por certo é verdade que, sem ações, organismos como o nosso não sobreviveriam, pois as fontes de energia necessárias para renovar a estrutura do organismo e manter a vida não  encontradas e postas a serviço do organismo, e muito menos seriam evitados os perigos do ambiente. Mas, por conta própria, sem a orientação das imagens, as ações não nos levariam muito longe. Ações eficazes requerem a companhia de imagens eficazes. As imagens permitem-nos escolher entre repertórios de padrões de ação previamente disponíveis e otimizar a execução da ação escolhida – podemos, de modo mais ou menos deliberado, passar em revista mentalmente as imagens que representam diferentes opções envolvidas numa ação, diferentes cenários, diferentes resultados da ação. Podemos selecionar a mais apropriada e rejeitar as inconvenientes. As imagens também nos permitem inventar novas ações a serem aplicadas a situações inéditas e fazer planos para ações futuras – a capacidade de transformar e combinar imagens de ações e cenários é a fonte da criatividade.

Se as ações estão no cerne da sobrevivência e seu poder vincula-se à disponibilidade de imagens orientadoras, então um mecanismo capaz de maximizar a manipulação eficaz de imagens a serviço dos interesses de um organismo específico conferiria um enorme vantagem aos organismos que o possuíssem, e esse mecanismo provavelmente teria prevalecido na evolução. A consciência é precisamente esse mecanismo.

Esconde-esconde

A consciência começa quando os cérebros adquirem o poder – o poder simples, devo acrescentar – de contar uma história sem palavras, a história de que existe vida pulsando incessantemente em seu organismo, e que os estados do organismo vivo, dentro das fronteiras do corpo, estão continuamente sendo alterados por encontro com objetos ou eventos em seu meio ou também por pensamentos e ajustes internos do processo da vida. A consciência emerge quando essa história primordial – a história de um objeto alterando de forma causal o estado do corpo – pode ser contada usando um vocabulário não verbal universal dos sinais corporais. O self manifesto emerge como o sentimento de um sentimento. Quando a história é contada pela primeira vez, espontaneamente, sem nunca ter sido demandada, e depois disso sempre que ela é repetida, o conhecimento do que o organismo está vivenciando emerge automaticamente como a resposta a uma pergunta nunca formulada. Desse momento em diante começamos a conhecer.
Imagino que a consciência possa ter prevalecido na evolução porque conhecer os sentimentos causados pelas emoções era absolutamente indispensável para a arte de viver, e porque a arte de viver foi um tremendo sucesso na história da natureza. Mas não me incomodarei se você preferir deturpar minhas palavras e disser apenas que a consciência foi inventada para que pudéssemos tomar conhecimento da vida. Obviamente, do ponto de vista científico o fraseado não está correto, mas eu gosto dele.