quinta-feira, 21 de abril de 2011

Lév Tolstói



A morte de Ivan Ilitch


    O médico foi para a sala de visitas e comunicou a Prascóvia Fiodorovna que as coisas iam mal e que só lhe restava o recurso do ópio para abrandar as dores, que seriam tremendas.
     Não mentia o doutor, mas as dores morais de Ivan Ilitch eram infinitamente piores do que as físicas. Resultavam do fato de, naquela noite, ao contemplar o rosto de Guerássim, sonolento, bondoso, de maçãs salientes, acudir-lhe à mente a seguinte indagação: "E se toda a minha vida, minha vida consciente, tivesse sido realmente errada?"
    Ponderou que aquilo que antes acreditava ser totalmente impossível, isto é, não ter vivido como deveria, podia ser verdade. Considerou que as pequeninas tentativas que fizera, tentativas quase imperceptíveis e que logo sufocava, para lutar contra o que era considerado acertado pelas pessoas mais altamente instaladas na sociedade, podiam representar o lado autêntico das coisas, sendo falso tudo mais. E que os seus deveres profissionais, sua vida regrada, a ordem familiar e todos os interesses mundanos e oficiais não passassem de grandes mentiras. Tentou defender tudo aqui perante si mesmo e, de repente, atinou com a frugalidade da sua defesa. Não havia nada a defender.
    "Mas se assim é, estou eu saindo da vida com a plena consciência de ter destruído tudo o que me foi concedido e, se a perda é irreparável, que irei fazer?", pensou. E, deitado de costas, pôs-se a passar em revista a sua vida de maneira completamente diversa.
    De manhã, quando apareceram sucessivamente o criado, a mulher, a filha e o médico, cada palavra, cada gesto deles era a confirmação da tremenda verdade que lhe fora revelada de noite. Reviu-se em cada um - sua existência fora precisamente o que era a deles. E viu de forma espantosamente clara que não passava ela dum imenso e horrendo embuste, que escondia a vida e a morte. 

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