domingo, 8 de maio de 2011

J. W. Goethe





Os sofrimentos do jovem Werther

        Que a vida humana é apenas um sonho já ocorreu a muita gente, e esta ideia também me persegue por toda parte. Quando vejo os limites que aprisionam a capacidade humana de ação e pesquisa; quando vejo que toda a atividade se esgota na satisfação de necessidades cujo único propósito é prolongar a nossa pobre existência e, também, que toda a tranquilidade em relação a certas questões não passa de resignação sonhadora, pois as paredes que nos aprisionam estão cobertas de formas coloridas e perspectivas luminosas... isso tudo, Wilhelm, me deixa estupefato. Volto-me para dentro de mim mesmo e encontro um mundo! Mais de pressentimentos e desejos que de raciocínios e forças vitais. E então, tudo flutua ante meus olhos, sorrio e sonhando penetro ainda mais neste mundo.
     As crianças querem as coisas sem saber por que as querem, nisso todos os mestres-escolas e preceptores estão de acordo; mas adultos também cambaleiam por este mundo feito crianças, sem saber de onde vêm, nem para onde vão, agindo sem objetivos determinados e deixando-se governar igualmente com biscoitos, bolo e vara de marmelo: ninguém acredita, mas me parece que não há verdade mais palpável.
          Confesso a você, pois sei o que vai me dizer a respeito, que os mais felizes são aqueles que como as crianças vivem para o presente, vestindo, despindo e levando as suas bonecas para passear, espreitando com grande respeito a gaveta onde a mamãe guarda o pão doce, e quando finalmente conseguem apanhar o que querem, devoram tudo com avidez e gritam: "Mais!"...Sim, são essas criaturas felizes. Felizes também aqueles que dão às suas ocupações fúteis, ou mesmo mesmo às suas obsessões, títulos pomposos, fazendo-as passar como proezas de gigante, realizadas para salvação e o bem estar da humanidade. - Ditosos sejam aqueles que podem ser assim. Mas quem reconhece humildemente aonde vai dar tudo isso, quem então vê com que delicadeza o ditoso burguês sabe cuidar de seu jardim, fazendo dele um paraíso, e com que perseverança o infeliz  também carrega ofegante o seu fardo, todos igualmente interessados em ver um minuto a mais a luz de sol.... sim, esse é tranquilo e forma o seu mundo a partir de si mesmo e também é feliz por ser um homem. E depois, por mais limitado que seja, mantém sempre viva no coração a doce sensação de liberdade, sabendo que pode sair deste cárcere quando quiser.

3 comentários:

  1. "Sentir de repente uma coisa parecida com ternura por esse homem. Senti nele a ternura que se sente pela comum vulgaridade humana, pelo banal cotidiano do chefe de família que vai para o trabalho, pelo lar humilde e alegre dele, pelos prazeres alegres e triste de que forçosamente se compõe a sua vida, pela inocência de viver sem analisar, pela naturalidade animla daquelas costas vestidas.
    ...
    A sensação era exatamente idêntica àquela que nos assalta perante alguém que dorme.Tudo o que dorme é criança de novo.Talvez porque no sono não se possa fazer mal, e se não dá conta da vida, o maior criminoso, o mais fechado egoísta é sagrado, por uma magia natural, enquanto dorme.Entre matar quem dorme e matar uma criança não conheço diferença que se sinta."

    Fernando Pessoa
    Camilla

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  2. "Senti de repente uma coisa parecida com ternura por esse homem. Senti nele a ternura que se sente pela comum vulgaridade humana, pelo banal cotidiano do chefe de família que vai para o trabalho, pelo lar humilde e alegre dele, pelos prazeres alegres e triste de que forçosamente se compõe a sua vida, pela inocência de viver sem analisar, pela naturalidade animla daquelas costas vestidas.
    ...
    A sensação era exatamente idêntica àquela que nos assalta perante alguém que dorme.Tudo o que dorme é criança de novo.Talvez porque no sono não se possa fazer mal, e se não dá conta da vida, o maior criminoso, o mais fechado egoísta é sagrado, por uma magia natural, enquanto dorme.Entre matar quem dorme e matar uma criança não conheço diferença que se sinta."

    Fernando Pessoa
    Camilla

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  3. "Parece que sou um desses homens melancólicos que nasceram para não ter alegrias até o dia da morte. Desse jeito, o mundo é uma grande tristeza. Se às vezes uma flor de maçã nos pousa sobre a cabeça - um beijo, um amor, uma hora agradável -, ficamos espantados que não tenha sido uma pedra a cair em nossa cartola, pois felizes são os homens de coração largo que sempre sentam à mesa do almoço com apetite, atiram a cabeça para trás e abrem a garganta para a bebida, fazem amor como os cães e na primeira esquina já esquecem do que lhes aconteceu de véspera."
    Gyula Krúdy
    Camilla

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