quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Montaigne




Que filosofar é aprender a morrer

Vossa morte é uma das peças da ordem do universo, é uma peça da vida do mundo, os mortais partilham a vida assim como os corredores se repassam sua tocha. Mudarei por vós esta bela organização das coisas? É condição de vossa criação; a morte é uma parte de vós: fugis de vós mesmos.
A vida não é em si nem bem nem mal: nela o bem e o mal têm o lugar que lhes dais. E se vivestes um dia, vistes tudo: um dia é igual a todos os dias. Não há outra luz nem outra noite. Esse Sol, essa Lua, essas Estrelas, essa disposição é esta mesma que vossos antepassados desfrutaram e que já de entreter vossos tataranetos. E, na pior hipótese, a distribuição e a variedade de todos os atos de minha comédia se completam em um ano. Se tivestes prestado atenção no movimento de minhas quatro estações, terei visto que abrangem a infância, a adolescência, a idade madura e a velhice do mundo. Ele jogou seu jogo: não conhece outro ardil senão recomeçar; sempre será assim. Não pretendo forjar-vos outros novos passatempos. Cedei lugar aos outros, como outros vos cederam. A igualdade é a primeira peça da equidade. Quem pode se queixar de ser incluído quando todos são incluídos?
Onde quer que vossa vida acabe, ela está toda aí. Uma pessoa viveu muito tempo e pouco viveu. Atentai para isso enquanto estais aqui. Tudo não se mexe como vos mexeis? Há coisa que não envelheça convosco? Mil homens, mil animais e mil outras criaturas morrem neste mesmo instante em que morreis. Por que temeis vosso último dia? Ele não conduz à vossa morte mais do que cada um dos outros. O último passo não vos traz a lassidão: revela-a. Todos os dias levam à morte: o último a alcança.

(Solilóquio da Natureza, Lucrécio)

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