quarta-feira, 5 de abril de 2017

Alain de Botton



Fatalismo romântico

O anseio por um destino não é em nenhuma parte mais forte do que em nossa vida romântica. Não podemos ser perdoados se acreditamos (contrariamente a todas as regras de nossa era iluminada pela razão) que estamos destinados a um dia encontrar o homem ou a mulher dos nossos sonhos? Não podemos ser perdoados por uma fé supersticiosa numa criatura que será a solução de nossos anseios incansáveis? Podemos realmente esperar atribuir o encontro com este príncipe ou esta princesa a uma mera coincidência? Ou não podemos por uma vez uma fez fugir à censura racional e interpretar isso como nada além de nosso destino romântico?

Ambos sentimos que nunca havíamos falado assim com ninguém antes, que todo o resto havia sido compromisso e ilusão de nossa parte, que só agora éramos finalmente capazes de compreender – que a espera (de natureza messiânica) de fato havia acabado. Reconheci nela a mulher que havia procurado de modo desajeitado por toda a minha vida, cujo sorriso e cujos olhos, cujo o senso de humor e gosto literário, cujas ansiedades e inteligência se encaixavam perfeitamente em meu ideal.

E foi por sentir que éramos tão certos um para o outro que fui incapaz de considerar a ideia de que conhecer Chloe havia sido uma simples coincidência. Perdi a capacidade de analisar a questão da predestinação com o necessário ceticismo. Não supersticiosos normalmente, Chloe e eu nos agarrávamos a uma série de detalhes, por mais triviais que fossem, como uma confirmação do que já sabíamos por intuição: que havíamos sido destinados um para o outro.

Atribuímos ao tempo um senso narrativo que não lhe era inerente. Chloe e eu mitificamos nosso encontro no avião como o desígnio de Afrodite, Ato I, Cena I, da mais clássica e mítica configuração narrativa: a história de amor. 

Deveríamos, é claro, ter sido mais racionais. [...] A chance de nos conhecermos era de uma em 989.727. [...] E no entanto, havia acontecido. O cálculo, longe de nos convencer dos argumentos racionais, só reforçava a interpretação mística da nossa paixão. 

Abrigados pelo amor, ocultamos a natureza aleatória de nossas vidas por trás de um véu de intencionalidade. Somos forçados a crer que esse encontro com nosso redentor, objetivamente arriscado e daí improvável, foi pré-escrito num pergaminho que se desenrola devagar no céu. Inventamos um destino para escaparmos do medo de que o pouco sentido que haja em nossa vida seja criado apenas por nós mesmos, que não haja pergaminho. (e daí nenhum destino preordenado esperando) e o que possa, ou não, nos acontecer (podermos, ou não, nos encontrar em aviões) não faz nenhum sentido além do que escolhemos atribuir a ele – resumindo – a ansiedade de que ninguém tenha escrito nossa história ou assegurado nossos amores. 

O fatalismo romântico nos protegeu, a mim e a Chloe, da ideia de que pudéssemos, do mesmo modo, ter começado a amar outras se as coisas tivessem ocorrido de modo diferente. Um pensamento inconcebível quando o amor está tão ligado à natureza única do amado. Como eu poderia ter imaginado que o papel que Chloe veio a ter na minha vida pudesse ter sido igualmente preenchido por outra pessoa, quando foi pelos olhos dela que eu me apaixonei, e pelo seu jeito de escorrer o macarrão, de pentear os cabelos, e de encerrar uma conversa telefônica?

Meu erro havia sido confundir o destino de amar com o destino de amar uma determinada pessoa. Foi o erro de pensar que Chloe, diferente do amor, era inevitável. Contudo, minha interpretação fatalista do início de nossa história era pelo menos prova de uma coisa: eu estava apaixonado por Chloe. O momento em que eu sentisse que nosso encontro, ou não encontro, era no fim apenas um acidente, apenas uma probabilidade de 1 em 989.727, seria também o momento em que eu teria deixado de sentir a necessidade absoluta de uma vida com ela – e, portanto, deixado de amá-la. 


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