segunda-feira, 21 de junho de 2010

Philip Roth



Indignação

A mãe era forte e quase chegou aos cem anos, embora sua vida também tivesse sido arruinada. Não passava um dia sem que ela olhasse para a fotografia de formatura no ginásio de seu bonito garotão no porta-retrato que ficava sobre o aparador da sala de jantar e, em voz alta, perguntasse soluçante ao falecido marido: “Por que é que você o perseguiu tanto até fazer ele ir embora de casa? Um momento de raiva, e veja no que deu! Que diferença fazia a hora em que ele chegava em casa? Ao menos estava em casa ao voltar! E agora, onde é que ele está? Onde é que você está meu querido? Marcus, por favor, a porta está destrancada, volte pra casa!”. Caminhava então até a porta, a porta com a famosa tranca, e abria, abria de todo, e lá ficava, em vão, esperando pela volta dele.

Se não fosse isso e aquilo, estaríamos todos juntos e viveríamos para sempre e tudo teria um final feliz. Se não fosse seu pai, se não fosse[...] se não fosse [...]se não fosse[...] Se ele próprio tivesse ido à igreja! Se tivesse ido lá as quarenta vezes e assinado seu nome, ainda estaria vivo hoje, aposentando-se após toda uma carreira como advogado. Mas ele não podia! Não era nehuma criança para acreditar num deus idiota qualquer! Não podia ouvir os hinos de merda deles! E as rezas, aquelas rezas de olhos fechados – supertição primitiva e putrefata! Nossa Tolice, que estás no Céu! A desgraça da religião, a imaturidade, a ignorância e a vergonha de tudo aquilo! Piedade lunática por nada!
[…]
Que escolha tinha Marcus, o que mais podia fazer senão, como o Messner que era, como o estudioso de Russell que era, bater com o punho na escrivaninha do diretor e lhe dizer pela segunda vez “Vai se foder”!

Sim, o popular e desafiador “Vai se foder” - e foi o que bastou ao filho do açogueiro, morto três meses antes de fazer vinte anos […] o único de seus colegas suficientemente desafortunado para ser morto na Guerra da Coreia […] onze meses antes que, caso tivesse sido capaz de tolerar a igreja e manter a boca fechada, se formasse na Universidade de Winesburg […] podendo assim postergar o aprendizado daquilo que seu pai, embora pouco educado, vinha fazendo tanta força para lhe ensinar havia muito tempo: a forma terrível e incompreensível pela qual nossas escolhas mais banais, fotuitas e até cômicas conduzem a resultados tão desproporcionais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário