terça-feira, 3 de agosto de 2010

Jens Peter Jacobsen




Niels Lyhne

Há homens que são capazes de assumir os seus sofrimentos até o fim, naturezas vigorosas que experimentam as suas forças justamente sob o peso da infelicidade, enquanto outros - mais fracos - abandonam-se à dor sem resistência, como vítimas de uma moléstia. E como uma moléstia, penetra-os o sofrimento, embebe-se no âmago do seu ser, identifica-se com eles, assimilando-se através de uma luta prolongada e desaparece com a volta da saúde.
Mas existem também seres para os quais o sofrimento significa um atentado à sua pessoa, uma crueldade, e nunca uma provação, um castigo ou um mero capricho do destino. Tomam-no como um golpe de tirania odiosa e dele guardam sempre uma cicatriz no fundo do coração.
[...]
Com sua fé, não tinha arrancado ao céu nenhum milagre; nenhum Deus tinha respondido ao seu apelo; a morte agarrara sem vacilar a sua presa, como se nenhuma muralha de preces se levantasse até as nuvens.
Em sua alma fez-se um grande silêncio.
[...]
E ele desafiou Deus e bani-o do seu coração [...] quando ouvia alguém dizê-lo, franzia a testa numa expressão de revolta. À noite, quando ia dormir, experimentava um estranho sentimento de dignidade solitária; [...] Ele renunciara a proteção divina, nenhum anjo inclinava-se sobre sua cabeceira; sozinho e desamparado, ele se dispunha a enfrentar o sono noturno como quem atravessa um lago escuro e misterioso, e a solidão o  submergia em círculos cada vez maiores e mais distantes: mas ele não rezava, podia até chorar de desgosto, mas não cedia.
[...]
Pois ele pertencia a essa classe por assim dizer artística e superficial de naturezas religiosas, de acordo com o feitio peculiar dos seus dotes de inteligência: dessas que não temem harmonizar um pouco os contrários, e facilmente alteram os limites e os fundamentos de uma crença, pois desejam antes de tudo afirmar a sua personalidade e, sejam quais forem as esferas em que voem, apenas fazem questão de ouvir a seu próprio espírito adejante.
[...]
Ele tomou o freio nos dentes, e lança-se a cada atalho novo que se ofereça, contanto que se afaste do que era outrora o refúgio dos seus sentimentos e dos seus pensamentos.
Experimenta uma sensação de força desconhecida no fato de ver com os próprios olhos, escolher com o próprio coração e modelar a si próprio. [...] É o tempo encantado das descobertas, quando ele, cheio de medo e de incerta alegria, cheio de uma felicidade intranquila, descobre a si mesmo.

4 comentários:

  1. http://www.youtube.com/watch?v=7DG3nfv2k3w&NR=1

    ResponderExcluir
  2. E eu me transformo no encontro do avesso do orgulho desse homem! xero!

    ResponderExcluir
  3. de quem é esse quadro maravilhoso?

    ResponderExcluir
  4. Van Gogh, 'Noite Estrelada'

    ResponderExcluir