sábado, 21 de maio de 2011

Gyula Krúdy



O companheiro de viagem

Por essa época, eu completei quarenta anos, e às vezes passava dias muito infelizes; ao abrir os olhos de manhã, temia alguma catástofre; a noite era cheia de maus presságios; pensava a toda hora que já não viveria muito...
            (Assim começou sua narrativa o meu companheiro de viagem, de quem eu não sabia mais do que o costumeiro sobre aqueles com quem passamos um longo dia ou uma noite aparentemente interminável num barco a vapor ou num trem. Há muito perdi a vontade de fazer novos conhecidos, porém meu companheiro simpático e calmo, de olhos tristes, cabelos grisalhos, parecia distinto e simples, e não imaginei que pudesse ameaçar meu descanso durante a noite. Viajávamos à luz da lua, as árvores, como saias enfileiradas, nos acompanhavam, as raposas, invisíveis que, como num enigma, desapareciam para sempre ante o olhar dos caçadores, latiam nos campos claros, os gansos selvagens, alçavam voo, içando um tom prateado na distância, podia-se imaginar que na estrada cinzenta, junto aos trilhos caminhavam pessoas infelizes à sombra de copas que se moviam no ritmo de um coração lento, apareciam casebres brancos como cães deitados, um pavio ardia detrás de uma janela com recorte em folha, talvez acabassem de matar alguém ou um velho camponês agonizante balbuciasse as últimas palavras; como a tristeza, a chuva nos alcançou, e da noite escura lançava lágrimas sobre a janela impiedosa. "onde estarão aqueles que amo?", pensei tiritante, como se nunca mais fosse ouvir a fala agradável das bocas queridas, mas apenas as palavras tristes de meu companheiro de viagem, que zumbiam em torno de minha cabeça como se a morte lesse a Bíblia.)

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