quinta-feira, 10 de maio de 2018

Leonard Mlodinow



A importância de ser social


Estranha essa nossa situação aqui na Terra. Cada um de nós chega para uma breve visita, sem saber por quê, parece que ás vezes por um propósito divino. Do ponto de vista da vida cotidiana, porém, existe uma coisa que sabemos de fato: que estamos aqui pelo bem dos outros.
Albert Einstein


       Minha mãe estava com 88 anos, ouvia mal e estava quase cega do olho direito – que era o melhor olho dela. Mas, quando se tratava de perceber as emoções do filho, sua visão de raios X estava intacta. Ela sempre sabia quando eu estava contente, cansado, entusiasmado ou insatisfeito só pela expressão de meus olhos.  [...] A linguagem é a uma coisa útil, mas nós seres humanos temos ligações emocionais e sociais que transcendem as palavras, e nos comunicamos – e nos compreendemos – sem pensamentos conscientes.

     A experiência de se sentir conectado aos outros parece começar muito cedo.[...] Esquilos não estabelecem bases para curar a raiva, cobras não ajudam suas semelhantes a atravessar uma estrada, mas os seres humanos conferem grande importância à bondade. Os cientistas chegaram a descobrir que partes do nosso cérebro ligadas ao processo de recompensa são estimuladas quando participamos de atos de cooperação mútua, de forma que ser bondoso talvez represente uma recompensa em si. Muito antes de conseguirmos verbalizar a atração ou repulsa, já nos sentimos atraídos pelo bondoso e repelidos pelo malvado. 

        Uma das vantagens de pertencer a uma sociedade coesa, em que as pessoas ajudam umas às outras, é que o grupo costuma ser mais bem equipado que um conjunto aleatório de indivíduos para lidar com ameaças externas. As pessoas percebem intuitivamente que existe uma força nos números e se consolam na companhia de outras, em especial em tempos de infelicidade e carência.

     A participação em grupos de apoio é um reflexo da necessidade humana de se associar com os outros, de nosso desejo fundamental de apoio, aprovação e amizade. Somos acima de tudo uma espécie social. [...] As ligações são um aspecto tão básico da experiência humana que sofremos quando somos privados delas.

         Muitas línguas têm expressões como “sentimentos feridos”, que comparam a dor da rejeição social à dor de um ferimento físico. [...] Os cientistas descobriram que a dor social está também associada a uma estrutura do cérebro chamada córtex cingulado anterior – a mesma estrutura envolvida no componente emocional da dor física. [...] Integrantes que tomaram Tylenol tinham reduzido a atividade nas áreas do cérebro associadas à exclusão social. Aparentemente, o Tylenol conseguiu reduzir a resposta neural à rejeição social.
A relação entre dor física e dor social ilustra os vínculos entre nossas emoções e os processos psicológicos do corpo. A rejeição social não é apenas uma dor emocional, ela afeta nosso ser físico. Na verdade, as relações sociais são tão importantes para os seres humanos que a falta de ligações sociais constitui o principal fator de risco para a saúde, comparando-se aos efeitos de cigarro, pressão arterial alta, obesidade e falta de atividade física.

Alguns cientistas acreditam que a necessidade de interação social foi a força motriz por trás da evolução da inteligência humana superior. [...] Se a inteligência humana evolui segundo objetivos sociais, nosso QI social deve ser a principal característica que nos diferencia de outros animais. Em particular, o que parece especial nos humanos é nosso desejo e capacidade de entender o que outras pessoas pensam e sentem. Chamada de “Teoria da Mente” ou “ToM”, essa aptidão dá aos seres humanos um notável poder de compreender o comportamento passado de outras pessoas e prever como vão se portar diante de circunstâncias presente e futuras. Embora exista um componente racional e consciente na ToM, boa parte da nossa “teorização” sobre o que os outros pensam e sentem ocorre de forma subliminar, resultado de processos rápidos e automáticos da nossa mente inconsciente.
      
        Nossa tendência de inferir estados mentais automaticamente é tão poderosa que a aplicamos não só a outras pessoas como também aos animais e até a formas geométricas inanimadas, como fizeram os bebês de seis meses no estudo com os objetos de madeira.

    É a ToM quem nos possibilita formar grandes e sofisticados sistemas sociais, de grandes comunidades agrícolas a grandes corporações nas quais o nosso mundo se baseia.

     Os homens são os únicos animais cujas relações e organização social exigem altos níveis de ToM individual. À parte a inteligência pura (e a destreza), essa é a razão por que peixes não conseguem construir barcos e macacos não montam bancas para vender frutas. A realização dessas façanhas torna os homens seres ímpares entre os animais. Em nossa espécie, uma ToM rudimentar se desenvolve no primeiro ano. Aos quatro anos, quase todas as crianças humanas adquiriram a capacidade de avaliar estados mentais de outras pessoas.

         Uma das medidas da ToM é chamada de intencionalidade. Um organismo capaz de refletir sobre seu próprio estado mental, sobre suas convicções e desejos, como “Eu quero um pedaço de assado que minha mãe preparou”.

      Se a ToM possibilita conexão social e exige esse extraordinário poder cerebral, ela pode explicar por que cientistas descobriram uma curiosa relação entre o tamanho do cérebro e o tamanho dos grupos sociais entre os mamíferos. Sendo mais exato, o tamanho do neocórtex de uma espécie – a parte do cérebro que evoluiu mais recentemente – como percentual do cérebro inteiro dessa espécie parece estar relacionado ao tamanho do grupo social em que os membros dessa espécie vivem.

      O tamanho de um grupo entre primatas não humanos é definido pelo número típico de animais naquilo que podemos chamar de “grupos de cafuné”. [...] Os indivíduos são seletivos em relação àqueles de quem tratam e por quem são tratados, pois essas alianças atuam como coalizões para minimizar assédios de outros da mesma espécie.

      Por que deveria existir uma relação entre a potência do cérebro e o número de membros de uma rede social? Vamos considerar os círculos humanos, formados por amigos, parentes e colegas de trabalho. Para continuar significativos, eles não podem ficar grandes demais para nossa capacidade cognitiva, pois nesse caso não conseguiremos mais saber quem é quem, o que todos querem, como se relacionam uns com os outros, quem é confiável, a quem pode pedir um favor, etc.

     Nós outorgamos o Prêmio Nobel a campos científicos como física e química, mas o cérebro humano também merece uma medalha de ouro por sua extraordinária capacidade de criar e manter redes sociais como corporações, agências governamentais e times de basquete, nas quais as pessoas trabalham juntas para chegar a um objetivo comum com o mínimo possível de mal-entendidos e conflitos. Talvez 150 seja o tamanho natural dos grupos humanos na natureza, desprovidos de estruturas organizacionais formais de tecnologia de comunicação. Contudo, em vista dessas inovações da civilização, já rompemos a barreira natural dos 150 para realizar feitos que somente milhares de seres humanos trabalhando juntos conseguem efetivar. Claro que a física por trás do Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), o acelerador de partículas na Suíça, é um monumento à inteligência humana. Porém, o mesmo se pode dizer da escala e da complexidade da organização que o construiu – apenas um dos experimentos do LHC exigiu mais de 2.500 cientistas, engenheiros e técnicos em 37 países, trabalhando juntos, cooperando para resolver problemas num ambiente complexo e sempre em mutação. A capacidade de formas organizações aptas a criar tais realizações é tão impressionante quanto as próprias realizações.    



Fotografia: Cláudia Andujar 

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