segunda-feira, 14 de maio de 2018

Mariano Sigman



A vida secreta da mente


O contorno da identidade
Como escolhemos, e o que nos faz confiar (ou não) nos outros e em nossas próprias decisões?

Nós somos o que decidimos. Somos aquele que escolhe viver assumindo riscos ou, ao contrário, de maneira conservadora. Esse conjunto enorme de ações define o contorno de nossa identidade. Como resumiu José Saramago em Todos os nomes: “A rigor, não tomamos decisões, as decisões nos tomam a nós”.      

De maneira imperceptível, como se cada alternativa se decantasse naturalmente, comparamos o universo de opões possíveis em uma balança mental, pesamos tudo e por fim decidimos. Nossas decisões se resolvem quase sempre com base em informação incompleta e dados imprecisos. [...] Só é possível esboçar de maneira aproximada as futuras consequências daquilo que foi decidido.  A tomada de decisão tem algo de adivinhação, uma certa conjectura sobre um futuro que é necessariamente impreciso.  A máquina funciona. Isso é o mais extraordinário.

O cérebro de Turing 
O cérebro decide por meio de uma corrida no córtex parietal.

Como no procedimento esboçado por Turing, o mecanismo cerebral para tomar decisões se constrói sobre um princípio extremamente simples: o cérebro elabora uma paisagem de opções e desencadeia entre elas uma corrida que só terá um vencedor. Basicamente, o cérebro transforma a informação obtida através dos sentidos em um conjunto de votos a favor de uma ou outra opção. Os votos se acumulam até alcançar um limiar no qual o cérebro considera que a coleta de evidências é suficiente para tomar a decisão.

Três princípios para a tomada de decisão – fruto do registro da atividade neuronal dos pesquisados (correntes elétricas no cérebro).

1)      Um conjunto de neurônios do córtex visual recebe informações dos órgãos sensoriais. O neurônio responde mais quando a nuvem de pontos se move em uma determinada direção. A cada instante, a corrente do neurônio (sua intensidade) reflete a quantidade e a direção do movimento, mas não cumula a história dessas observações.
2)      Os neurônios sensoriais se conectam com outros neurônios do córtex parietal que acumulam essa informação no tempo. Assim, os circuitos neuronais do córtex parietal codificam como vai mudando, no tempo, a predisposição a favor de cada ação possível no espaço de decisões.
3)      À medida que a informação a favor de uma opção se acumula, o circuito parietal que codifica essa opção aumenta a atividade elétrica. Quando a atividade alcança um determinado limiar, um circuito de neurônios em estruturas profundas do cérebro – conhecidas como gânglios basais – dispara a ação corresponde e reinicia o processo para abrir caminho à decisão seguinte.

Que relação tem a clareza da evidência com o tempo que usamos para tomar uma decisão? Quanto mais incompleta é a informação, mais lenta é a acumulação de evidência.  Como as opções se enviesam em consequência de preconceitos ou conhecimento prévio? Quando é realmente suficiente para decidir-se, a evidência a favor de uma opção? (Como se estabelece um limiar?) Depende de um cálculo feito pelo cérebro de uma maneira indiscutivelmente precisa. O cérebro pondera entre “o custo de equivocar-se” e o “tempo disponível para a decisão”.

O cérebro determina o limiar de tal modo que otimiza o ganho resultante de uma decisão. Para isso, combina circuitos neuronais que codificam:

·         O valor da ação. - O que perdem se errarem? – Quanto maior o custo de errarem, maior o limiar para a decisão.
·         O custo do tempo investido. Quanto mais tempo, mais chances de decidir de maneira segura. 
·         A qualidade da informação sensorial. – Quanto pior a informação, mais demoram para se decidir.  Maior o limiar para a decisão.
·         Uma urgência endógena de responder, algo que reconhecemos como a ansiedade ou a impaciência por tomar uma decisão.

Se os erros forem severamente castigados, o cérebro aumenta o limiar de quantidade de evidência de que precisam para decidir e demoram mais tempo para responder. Ao contrário, se os erros não forem punidos e a melhor estratégia for responder depressa para acumular muitas oportunidades de recompensa, os jogadores reduzem esse limiar. O notável é que, na maioria dos casos, este ajuste adaptativo (do limiar necessário para que a decisão seja disparada) não é consciente.  O tomador de decisões sabe muito mais do que acredita saber. Isso nem sempre acontece para as decisões conscientes. Todos nós recordamos haver adiado em algum momento uma decisão urgente ou, ao contrário, ter nos apressado em uma que requeria paciência. Mas, em contraposição, em muitíssimas decisões inconscientes o cérebro ajusta de forma excelente, e sem que tenhamos registro, o limiar de decisão.

[...] Quando nos oferecem uma paisagem de opções, nem todas começam a correr a partir do mesmo ponto: as que nos dão por default partem com vantagem. Se, além disso, o problema for de difícil solução, o que faz com que a evidência a favor de qualquer opção seja pequena, gana quem começa com aquela vantagem. [...] Nosso mecanismo de tomada de decisão sofre um colapso diante de situações difíceis. Então, aceitamos o que nos oferecem por default, aquilo que vier.

Coraçonadas: a metáfora precisa
(Fisiologia das decisões inconscientes)

[...] Todos percebemos que as decisões que tomamos pertencem a pelo menos duas formas qualitativamente distintas: algumas são racionais, e poderíamos esgrimir seus argumentos: as outras, não. São as Coraçonadas, aquelas decisões inexplicáveis que sentimos terem sido ditadas pelo corpo. Mas são realmente duas maneiras de decidir? Será que nos convém escolher algo de acordo com nossas intuições, ou é melhor deliberar cuidadosa e racionalmente cada decisão?

[...] A decisão de que algo é engraçado ou aborrecido não se origina somente numa avaliação do mundo exterior, mas também em reações viscerais que se produzem no mundo interior. Descobrimos que alguém nos agrada, que algo envolve risco ou que um gesto nos emociona porque o coração bate mais rapidamente.
Isso revela um princípio importante. O cérebro recebe dos sentidos informação emocional – digamos, por exemplo, tristeza ou alegria – que depois se expressa em variáveis corporais. Às emoções se associam expressões faciais, aumento da umidade da pele, do ritmo cardíaco ou da produção de adrenalina. Essa é a parte mais intuitiva do diálogo. Mas esse diálogo é recíproco, pois o cérebro identifica variáveis corporais para decidir se sente uma emoção. Tanto é assim que a indução mecânica de um sorriso faz com que nos sintamos melhor ou que avaliemos algo mais positivamente do que quando nosso rosto expressa seriedade.
Que os estados corporais possam afetar nosso processo de decisão é uma demonstração fisiológica e científica daquilo que percebemos como coraçonada. Quando se toma uma decisão de modo inconsciente, o córtex cerebral avalia diferentes alternativas e, ao fazê-lo, estima possíveis riscos e benefícios de cada opção. O resultado desse cômputo se expressa em estados corporais a partir dos quais o cérebro pode reconhecer o risco, o perigo ou o prazer. O corpo se torna um reflexo do mundo exterior.

O corpo no cassino e no tabuleiro

[...] Em uma situação de incontáveis opções, com uma complexidade que se assemelha à própria vida, o coração se alarma muito antes de tomar uma decisão ruim. Se o indivíduo pudesse perceber isso, se soubesse escutar o que diz seu coração, poderia talvez evitar muitos dos erros que acaba cometendo.  Isso é possível porque o corpo e o cérebro têm as caves para a tomada de decisão muito antes que esses elementos se tornem conscientes para nós; as emoções expressadas no corpo funcionam como um alarme que nos alerta sobre possíveis riscos e erros. Isso faz desmoronar a ideia de que a intuição pertence ao âmbito da magia ou da adivinhação. Não há nenhum conflito entre a ciência e as coraçonadas; pelo contrário, as intuições funcionam de mãos dadas com a razão e a deliberação, em pleno território da ciência. 

Decisões ou coraçonadas?

A complexidade da decisão é o que dita quando convém deliberar e quando intuir. [...] Quando há muitos elementos em jogo, a coraçonada é mais efetiva do que a deliberação. [Quem pensa perde].  [...] Quando tomamos uma decisão que se resolve ponderando um número pequeno de elementos, escolhemos melhor se levarmos um tempo pensando. Em contraposição, quando o problema é complexo, em geral decidimos melhor seguindo uma coraçonada do que se meditarmos longamente e dermos muitas voltas – mentais – ao assunto.

Algo sabemos da consciência: é bastante estreita e nela podemos alojar pouca informação. Já o inconsciente é muito mais vasto. Isso nos permite entender por que, para tomar decisões com poucas variáveis em jogo – preço, qualidade e tamanho de um produto, por exemplo -, nos convém pensar bem antes de agir. Ante esse tipo de situação nas quais podemos avaliar mentalmente todos os elementos ao mesmo tempo, a decisão racional é a melhor e mais eficiente. Também entendemos por que, quando estão em jogo muito mais variáveis do que a consciência é capaz de manipular ao mesmo tempo, as decisões inconscientes, rápidas e intuitivas, mesmo quando apenas aproximadas, mostram-se mais eficientes.

Farejando o amor


Em resumo, as decisões que se seguem a coraçonadas e intuições, as quais, por serem inconsciente, costumam ser percebidas como mágicas, espontâneas e sem princípios, na realidade estão reguladas e às vezes são marcadamente estereotipadas. De acordo com as virtudes e limitações mecânicas da consciência, parece sensato delegar as decisões simples ao pensamento racional e deixar as complexas entregues ao olfato, ao suor e ao coração.
Fotografia: Werner Bischof

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