segunda-feira, 4 de junho de 2018

Leonard Mlodinow




Classificação de pessoas e coisas

Nós ficaríamos ofuscados se tivéssemos de tratar tudo o que vimos, toda a informação visual, como um elemento em separado; e se tivéssemos de desvendar de novo as conexões todas as vezes que abríssemos os olhos.
Gary Klein

      A classificação é uma estratégia que nosso cérebro usa para processar informações com mais eficiência. Cada objeto ou pessoa que encontramos no mundo é único, mas nós não funcionaríamos muito bem se os percebêssemos dessa maneira. Não temos tempo nem capacidade mental para observar e considerar cada detalhe de todos os itens de nosso ambiente. Por isso utilizamos alguns traços salientes que conseguimos observar para situar o objeto em um categoria; depois baseamos nossa avaliação do objeto na categoria e não no próprio objeto. Ao mantermos um conjunto de categorias, conseguimos acelerar nossas reações.

    Pensar em termos de categorias genéricas, como “ursos”, “cadeiras” e “motoristas erráticos”, nos ajuda a navegar pelo nosso ambiente com mais velocidade e eficiência; primeiro entendemos o significado bruto de um objeto, depois nos preocupamos com sua individualidade.

         Classificar é um dos atos mentais mais importantes que desempenhamos, e nós fazemos isso o tempo todo. Até nossa capacidade de ler depende de nossa capacidade de classificar; o domínio da leitura exige o agrupamento de símbolos semelhantes, como b e d, em categorias de letras diferentes. [...] Em geral fazemos isso de maneira rápida e sem esforço consciente.

    Uma das principais maneiras de classificar é maximizar a importância de certas diferenças e minimizar a relevância de outras.  Mas a seta do nosso raciocínio pode apontar para o outro lado. Se concluirmos que um conjunto de objetos pertence a um grupo, e um segundo conjunto de objetos pertence a outro, podemos perceber os que estão dentro do mesmo grupo como mais semelhantes do que na verdade são – e os que estão em grupos diferentes como menos semelhantes do que na verdade são. O mero posicionamento de objetos em grupos pode afetar nosso julgamento desses objetos. Portanto, embora a classificação seja um atalho crucial e natural, como outros truques de sobrevivência do nosso cérebro, ele também tem suas desvantagens.
  
      Distorções causadas pelas categorizações [...] Quando categorizamos, nós polarizamos. Coisas que por uma ou outra razão arbitrária são identificadas como pertencentes à mesma categoria parecem mais semelhantes entre si do que realmente são, enquanto as catalogadas em diferentes categorias parecem mais distintas do que são na verdade. A mente inconsciente transforma diferenças difusas e nuances sutis em distinções nítidas. Seu objetivo é apagar detalhes irrelevantes enquanto mantém a informação importante. Quando isso é feito de forma bem-sucedida, nós simplificamos nosso ambiente e tornamos a navegação mais fácil e rápida. Quando isso não é feito da forma inadequada, distorcemos nossas percepções, às vezes com resultados prejudiciais para os outros ou até para nós mesmos .  Isso vale em especial quando nossa tendência a classificar afeta nossa visão acerca de outros seres humanos.

  Lippmann escreveu: “O ambiente real é na verdade grande, complexo e transitório demais para um conhecimento direto.  ... Embora tenhamos de agir nesse ambiente, precisamos reconstruí-lo em um modelo mais simples antes de conseguir lidar com ele ”.

    Tipos e personagens normais eram (e ainda são) um resumo conveniente – nós os reconhecemos de pronto -, mas seu uso amplifica e exagera os traços de personalidade associados às categorias que representam.

         Gostamos de pensar que julgamos as pessoas como indivíduos, e às vezes tentamos de forma consciente avaliar os outros com base em suas características específicas. Em geral conseguimos. Mas, se não conhecemos bem uma pessoa, nossa mente pode procurar as respostas em sua categoria social. Em cada um desses casos, nossa mente subliminar pega os dados incompletos, usa o contexto ou outras pistas para completar a imagem, faz algumas deduções e produz um resultado algumas vezes exato, outras vezes não, mas sempre convincente. Nossa mente preenche as lacunas quando julgamos as pessoas, e a categoria a que a pessoa pertence é parte dos dados que usamos para fazer isso.

     Os vieses perceptivos de categorização estão na raiz do preconceito. Até segunda metade dos anos 1980, muitos psicólogos ainda viam a discriminação como um comportamento consciente e intencional, não como algo surgido naturalmente de processos cognitivos normais e inevitáveis, relacionados à propensão vital do cérebro para categorizar.  A estereotipagem inconsciente, ou “implícita”, é a regra, não a exceção. Julgar individualmente é complicado, e essa complexidade exige recursos mentais, o que retarda o processo. ... Esse é o ponto crucial: quando o rotulamento segue suas associações mentais (vieses), o processo se acelera, mas, quando mistura as associações, o processo fica mais lento. 

         Pesquisadores mostraram aos participantes imagens de rostos brancos, negros, palavras hostis (horrível, fracasso, maligno, desagradável e assim por diante), e palavras positivas (paz, alegria, amor, felicidade e assim por diante). Se você fizer associações a favor de brancos ou contra negros, levará mais tempo para separar palavras e imagens quando tiver de relacionar palavras positivas com a categoria negra e palavras hostis para a categoria branca do que quando rostos negros e palavras hostis entrarem numa mesma caixa.  Cerca de 70% dos que passaram pelo teste mostraram essa associação pró-branca, inclusive muitos que ficaram (conscientemente) surpresos ao saber que mostraram tais atitudes. Aliás, até muitos negros mostraram um viés inconsciente pró-brancos no IAT. É difícil não fazer isso quando se vive numa cultura que incorpora estereótipos negativos envolvendo afro-americanos.

    Ainda que sua avaliação de outra pessoa possa parecer racional e deliberada, ela é informada por processos automáticos e inconscientes – os tipos de processo reguladores da emoção sediados no córtex pré-frontal ventromedial. Aliás, lesões no VMPC costumam suprimir a estereotipagem inconsciente de gênero.

   Como reconheceu Lippmann, não podemos evitar a absorção mental de categorias definidas pela sociedade em que vivemos. Elas permeiam notícias, programação da TV, filmes, todos os aspectos de nossa cultura. Pelo fato de nosso cérebro categorizar naturalmente, somos vulneráveis a agir de acordo com atitudes que essas categorias representam.

    A tendência a classificar até as pessoas em geral é uma benção. Ela permite que compreendamos a diferença entre motorista de ônibus e passageiro, balconista e comprador, recepcionista e médico, e entre outros estranhos com quem interagimos, sem ter de parar para repensar mais uma vez sobre o papel de cada um durante cada encontro. O desafio não é deixar de categorizar, mas como se tornar ciente de quando fazemos isso e conseguir ver as pessoas individualmente, como elas são.

         As categorias saturam tudo que elas contêm com o mesmo “sabor ideal ou emocional ”.

     A cultura agora chegou ao ponto de a maioria das pessoas considerar errado negar intencionalmente uma oportunidade a alguém em decorrência de traços de caráter inferidos a partir de sua identidade classificatória. Mas estamos apenas começando a lidar com esses vieses inconscientes. ... O desafio apresentado pela ciência à comunidade legal é ir além disso, abordar o tema mais difícil da discriminação inconsciente, do viés sutil e oculto até para quem o exerce. ... Se estivermos cônscios de nossos vieses e motivados para superá-los, conseguiremos fazer isso.

     Nosso juízo inconsciente, amplamente apoiado em categorias que atribuímos às pessoas, está sempre em competição com nosso pensamento mais deliberativo e analítico, que pode ver essas pessoas como indivíduos. À medida que os dois lados de nossa mente travam essa batalha, o grau com que consideramos uma pessoa como indivíduo versos membro de um grupo genérico varia em grande escala.

       A moral da história é que é preciso esforço se quisermos superar vieses inconscientes. Uma boa maneira é olharmos com mais atenção quem estamos julgando ... nosso conhecimento pessoal de um membro específico ou de uma categoria pode atropelar nosso viés categórico, porém, mais importante é que, com o tempo, o contato repetido com membros da categoria pode agir como antídoto para os traços negativos que a sociedade atribui ás pessoas dessa categoria.  ... A experiência pode atropelar os preconceitos.

  Quanto mais interagimos com outros indivíduos e nos expomos às suas características particulares, mais munição nossa mente tem para contra-atacar nossa tendência a estereotipar, pois traços que atribuímos às categorias são produto não só das suposições da sociedade como de nossa própria experiência.
        Os cientistas dizem que nós não teríamos sobrevivido como espécie sem nossa capacidade de categorizar, mas eu vou mais adiante: sem ela, mal se consegue sobreviver como indivíduo.





 Fotografia: James Nachtwey

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