sexta-feira, 8 de junho de 2018

Mariano Sigman




A  natureza do otimista

O otimista fará uma cesta sempre que arremessar a bola, ganhará todas as finais que disputar, nunca perderá o emprego e poderá fazer sexo sem proteção ou dirigir de maneira imprudente porque, afinal de contas, os riscos não lhe competem. O estranho é que o otimismo sobreviverá apesar da evidência em contrário que recebemos diariamente. O otimismo é nada mais nada menos do que essa obstinação.

Parte disso é obra do esquecimento seletivo que todos experimentamos. Cada segunda-feira, cada aniversário, cada 1 de janeiro se enchem de promessa as repetidas; cada amor é o amor de nossas vidas. [...] Cada uma dessas afirmações ignora completamente que já houve outras tantas segundas-feiras e outros tantos desenganos. Somos realmente tão cegos ante a evidência? Que mecanismos do cérebro encaram esse otimismo fundamentalista? E o que fazemos com o otimismo persistente, se entendermos que ele se cimenta em uma ilusão?

Um dos modelos mais comuns de aprendizagem humana é o erro de previsão. É simples e intuitivo. A primeira premissa, para cada ação que realizamos, desde a mais mundana à mais complexa, é que construímos um modelo interno, uma espécie de prelúdio simulado daquilo que vai suceder.

Esse erro de previsão expressa a diferença entre o que esperamos e o que observamos na realidade, e isso se codifica em um circuito neuronal nos gânglios basais que gera dopamina. A dopamina é um neurotransmissor que funciona, entre outras coisas, como mensageiro da surpresa, espalhando-se por diferentes estruturas cerebrais. O sinal dopaminérgico reconhece a dissonância entre o previsto e o encontrado, e é o combustível vital para a aprendizagem, pois os circuitos irrigados por dopamina se tornam maleáveis e predispostos à mudança. Na ausência de dopamina, em contraposição, os circuitos neuronais são em sua maioria rígidos e pouco maleáveis. 

Se o cérebro não gerasse um sinal de dissonância quando a realidade é pior do que esperamos, renovaríamos indefinidamente nossas esperanças.

Em sua grande maioria, as pessoas pressupõem que as possibilidades de que lhes aconteça algo ruim são muito menores do que mostram as estatísticas.

A cada vez que descobrimos um conhecimento desejável ou benéfico, ativa-se um grupo de neurônios em uma pequena região do córtex pré-frontal esquerdo chamado giro frontal inferior. Em contraposição, quando recebemos uma evidência não desejável, ativa-se outro grupo de neurônios na região homóloga do hemisfério direito. Entre essas regiões cerebrais se estabelece uma espécie de balança entre as boas e as más notícias. Essa balança, porém, tem duas armadilhas: a primeira é que ela dá muito mais peso às boas notícias do que às más, o que, em média, cria uma tendência para o otimismo; e a segunda – a mais interessante – é que a inclinação da balança muda em cada indivíduo e revela a maquinaria do otimismo.

A ativação dos neurônios do giro frontal do hemisfério esquerdo é semelhante em todos nós, quando descobrimos que o mundo é melhor do que pensávamos. Em contraposição, a ativação do giro frontal do hemisfério direito varia em um nível amplo de indivíduo para indivíduo, nos casos em que ficamos sabendo que o mundo é pior do que acreditávamos. Nas pessoas mais otimistas, essa ativação é atenuada, como se literalmente elas fizessem ouvidos moucos às más notícias.  Nas mais pessimistas, ocorre o oposto: a ativação está amplificada, acentua e multiplica o impacto dessa informação negativa. Aí está a receita biológica que separa os otimistas dos pessimistas: não é a capacidade que eles têm de valorizar o bom, mas suas possibilidades de ignorar e esquecer o ruim.

razões instintivas para alimentar um otimismo cândido, o qual se revela um motor para a ação, a aventura e a inovação. Sem o otimismo não teríamos ido à Lua nem voltado de lá; e ele também está associado de uma maneira bastante genérica com uma saúde melhor e uma vida mais satisfatória. Poderíamos pensar então que o otimismo é uma espécie de pequena loucura que nos impele a fazer coisas que de outro modo não faríamos. Sua face oposta, o pessimismo, é o prelúdio da inação e, na versão crônica, da depressão.  [...] O otimista conhece os riscos mas age como se não o afetassem.  Sentem-se excetuado da estatística e isso, claro, é falso: se todos formos a exceção, a regra deixa de existir. Esse otimismo expandido – que não costuma ser reconhecido como tal – pode acarretar consequências fatais, mas também evitáveis. 

Fotografia: James Nachtwey

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