segunda-feira, 11 de junho de 2018

Leonard Mlodinow



In-groups e out-groups

Todos os grupos ... desenvolvem uma forma de viver, como com códigos e convicções característicos.
Gordon Allport

Os seres humanos sempre viveram em bandos. Se uma competição num cabo de guerra gera hostilidade intertribal, imagine a rivalidade entre bandos de homens com bocas demais para alimentar e poucas carcaças de elefante para comer. Hoje pensamos na guerra como algo em parte baseado em ideologia, mas a necessidade de comida ou água é a mais forte ideologia. Bem antes de inventarem comunismo, democracia ou teorias de superioridade racial, grupos de pessoas que viviam perto lutavam com regularidade e até massacravam uns aos outros motivados pela competição por recursos. Nesse contexto, um sentido altamente desenvolvido de “nós contra eles” teria sido crucial para a sobrevivência.

Havia também um sentido de “nós contra eles” dentro bandos, pois os seres humanos pré-históricos formavam alianças e coalizões no interior de seus próprios grupos, como aconteceu com outras espécies de hominídeos. [...] Assim, se a capacidade de captar pistas que sinalizem alianças políticas é importante no trabalho contemporâneo, na pré-história isso era vital, pois a ser demitido era equivalente a ser morto.

Os cientistas chamam qualquer grupo de que as pessoas se sentem parte de um “in-group”, e qualquer grupo que as exclui de “out-group”. Diferentemente do uso coloquial, no sentido técnico, in-group e out-group se referem não à popularidade dos que pertencem a grupos, mas apenas à distinção “nós-eles”. É uma diferença importante, porque pensamos de forma diversa sobre membros de grupos de que somos parte e de grupos dos quais não participamos; também apresentamos comportamentos diferentes em relação a eles. Fazemos isso de forma automática, independentemente de estarmos ou não conscientes da intenção de discriminar. [...] O fato de nos posicionarmos em categorias in-group e out-group tem um efeito na maneira como vemos nosso próprio lugar no mundo e como encaramos os outros.

Todos pertencemos a muitos grupos. Por conseguinte, a maneira como nos identificamos muda de situação para situação. Em diferentes ocasiões, a mesma pessoa pode se ver como mulher, executiva, funcionária da Disney, brasileira ou mãe, dependendo do que for relevante – ou do que a fizer se sentir bem no momento. Alterar a afiliação do grupo que adotamos em dado momento é um truque que todos usamos, e ajuda a manter uma aparência simpática, pois os in-groups com que nos identificamos são um importante componente de nossa autoimagem.

[...] As pessoas estão dispostas a fazerem grandes sacrifícios financeiros para ajudar a estabelecer a sensação de pertencer a um in-group de que desejam participar. – Disposição de abrir mão de dinheiro em troca do prestígio de uma identidade grupal cobiçada. [...] Quando penamos em nós mesmos como pertencentes a um clube de campo exclusivo, ocupando um cargo executivo, ou inseridos numa classe de usuário de computadores, os pontos de vista de outros no grupo infiltram-se nos nossos pensamentos e dão cores à maneira como percebemos o mundo. Os psicólogos chamam essa visão de “normas grupais”.

Quando nos vemos como membro de um grupo, automaticamente todos ficam marcados com um “nós” ou um “eles”. Alguns de nossos in-groups, como nossa família, os colegas de trabalho ou os parceiros de bicicleta, incluem outras pessoas que conhecemos. Outros, como mulheres, hispânicos ou cidadãos idosos, são grupos mais amplos definidos pela sociedade, que a eles conferem características. Porém, seja qual for o grupo a que pertencermos, por definição ele consiste em pessoas que percebemos como tendo alguma coisa em comum conosco. Essa experiência partilhada, ou identidade, faz com que vejamos nossa fé como algo interligado com a fé do grupo, e os sucessos e fracassos como também nossos. É natural, então, que tenhamos um lugar especial em nossos corações para os membros do grupo a que pertencemos.

Podemos não gostar muito das pessoas de maneira geral, mas nosso ser subliminar tende a gostar mais dos companheiros de nosso in-group. [...] No que se refere a religião, raça, nacionalidade, uso de computadores ou à nossa unidade operacional de trabalho, em geral, temos uma tendência inata de preferir os membros do nosso in-group. Estudos mostram que pertencer a um grupo em comum pode até superar atributos pessoais negativos. Como enunciou um pesquisador: “Podemos gostar de pessoas como membros do grupo mesmo quando não gostamos delas como indivíduos”.

Esta constatação – de que gostamos mais de pessoas apenas por estamos associados a elas de alguma forma – tem um corolário natural: também tendemos a favorecer membros do nosso grupo nos relacionamentos sociais e nos negócios, e a avaliarmos o trabalho e os produtos deles de maneira mais favorável do que faríamos em outras circunstâncias, mesmo quando pensamos que estamos tratando todo mundo de forma igualitária.

Outra maneira com que somos afetados pelas diferenças entre in-groups e out-groups é que tendemos a pensar nos membros do nosso grupo como mais diversificados e complexos que os do out-group. [...] Pode parecer natural observar mais diversificação nos grupos a que pertencemos, pois, em geral conhecemos melhor seus integrantes como indivíduos. [...] A sensação que temos de que nosso grupo é mais diversificado que o out-group não depende de conhecer melhor nosso in-group. Na verdade, a categorização das pessoas em in-groups e out-groups já é suficiente para acionar esse julgamento

Aliás, nossos sentimentos especiais em relação ao grupo a que pertencemos persistem mesmo quando pesquisadores separam artificialmente estranhos em in-groups e out-groups aleatórios. Quando Marco Antônio se dirigiu à multidão depois do assassinato de César e declarou, na versão de Shakespeare, “Concidadãos, romanos, bons amigos, concedei-me atenção”, ele na verdade estava dizendo: “Membros in-group, membros in-group, membros in-group...” Um apelo inteligente.    

Fotografia: Werner Bischof



Nenhum comentário:

Postar um comentário