terça-feira, 13 de abril de 2010

Czeslaw Milosz

Descrição honesta de si mesmo junto a um copo de whisky no aeroporto, digamos em Minneapolis

Meus ouvidos ouvem cada vez menos das conversas, meus
olhos vão ficando mais fracos, mas não se fartaram.

Vejo suas pernas em minissaias, em calças compridas ou
tecidos voláteis,

Observo uma a uma, suas bundas e coxas, pensativo, aca-
lentado por sonhos pornô.

Velho depravado, é a cova que te espera, não os jogos e
folguedos da juventude.

Não é verdade, faço apenas o que sempre fiz, compondo
cenas dessa terra sob as ordens de uma imaginação erótica.

Não desejo a estas criaturas, desejo tudo, e elas são como
o signo de uma convivência extática.

Não é minha culpa se somos feitos assim, metade contem-
plação desinteressada, e metade apetite.

Se após a morte eu chegar ao Céu, lá deve ser como aqui,
só que terei me desfeito da obtusidade dos sentidos e do
peso dos ossos.

Tornado puro olhar, sorverei ainda as proporções do cor-
po humano, a cor da íris, uma rua de Paris em junho de
manhãzinha, toda a incompreensível, a incompreensível
multidão das coisas visíveis.

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