sábado, 22 de maio de 2010

Anton Tchékhov



Cartas


     Lembre-se de que os escritores ditos imortais ou simplesmente bons e que nos deixam inebriados têm em comum um traço muito importante: para onde quer que se dirijam, eles o convidam a acompanhá-los e você sente não com a razão, mas com todo o seu ser, que possuem algum objetivo, como a sombra do pai de Hamlet, a qual aparecia não por acaso e perturbava a imaginação. Alguns, dependendo do próprio calibre, perseguem objetivos mais imediatos: a servidão, a libertação da pátria, a política, a beleza ou simplesmente a vodca, como  é o caso de Danis Davýdov; outros tem objetivos remotos: Deus, a vida depois da morte, o bem da humanidade etc. Os melhores dentre eles são realistas e retratam a vida como ela é, mas, pelo fato de cada linha estar impregnada, como se fora de um suco, da consciência do objetivo, você, além da vida como é, também sente como ela deveria ser, e é isso que o cativa.
   E nós? Nós! Nós representamos a vida como ela é, e ponto final... Além disso não vamos nem a chicotada. Não temos objetivos imediatos nem remotos, e em nossa alma não há nada de nada. Não temos concepção política, não acreditamos na revolução, não temos um Deus, não temos medo de assombração, e, quanto a mim, nem mesmo a morte e a cegueira eu temo. Quem nada quer, nada espera e nada teme não pode ser artista. Seja isso doença ou não, pouco importa, mas deve-se reconhecer que a nossa situação não é das melhores. Não sei o que será de nós daqui a dez, vinte anos; talvez, até lá as circunstâncias tenham mudado, mas por enquanto seria leviandade esperar de nós algo que realmente preste, pouco importando se temos talento ou não. Escrevemos feito máquinas, submetendo-nos à ordem de há muito estabelecida, segundo a qual uns são funcionários, outros comerciantes, outros ainda são escritores... Você e Grigoróvitch acham que sou inteligente. Sim, sou inteligente pelo menos a ponto de não ocultar de mim mesmo a minha doença e de não mentir a mim mesmo e esconder o meu vazio com os farrapos alheios.
   A Aleksei Suvórin


     Não sou nem liberal, nem conservador, nem progressista, nem monge, nem indiferencista. Queria ser um artista livre, mais nada, e lamento Deus não ter me dado forças pra isso. Detesto a mentira e a violência sob todos os aspectos [...] O farisaísmo, a estupidez e a arbitrariedade reinam não só nas casas dos comerciante e nas cadeias; eu os vejo na ciência, na literatura, entre os jovens... Por isso, não nutro uma predileção especial nem pelos gendarmes, nem pelos açougueiros, nem pelos cientistas, nem pelos escritores, nem pelos jovens. Considero preconceito marcas e rótulos. Meu santuário é o corpo humano, a saúde a inteligência e o talento, a inspiração, o amor e a liberdade absoluta, a insubordinação à violência e à mentira, onde quer que essas duas últimas se manifestem. Aí está o programa que eu seguiria, se fosse um grande artista.
A Aleksei Plechetchéiev

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