segunda-feira, 24 de maio de 2010

Honoré de Balzac




Eugênia Grandet

Não há graciosas semelhanças entre o começo do amor e o da vida? Não é com doces cantigas e com ternos olhares que se nina a criança? Não se lhe contam maravilhosas histórias que douram seu futuro? A esperança não lhe abre incessantemente suas asas radiosas? E ela não derrama alternadamente lágrimas de alegria e dor? Não briga a criança por um nada, por umas pedras com as quais tenta construir um palácio móvel, por um ramalhete logo esquecido, apenas cortado? Não possui ela a avidez de tomar conta do tempo, de avançar na vida? O amor é a nossa segunda transformação. A infância e o amor foram a mesma coisa entre Eugênia e Carlos: foi a paixão primeira com todas as suas puerilidades, tanto mais cariciosas para os seus corações quanto estes se achavam envoltos em melancolia.

Debatendo-se, logo ao nascer, entre os crepes do luto, esse amor, por isso mesmo, se harmonizava melhor com a rusticidade provinciana daquela casa em ruína. Trocando algumas palavras com a prima à beira do poço, naquele pátio mudo; deixando-se estar naquele jardinzinho sentado com ela num banco coberto de musgo, até a hora do pôr do sol, ocupados em dizerem grandes nadas, ou recolhidos os dois na calma que reinava entre a muralha e a casa, como sob as arcadas de uma igreja, Carlos compreendeu a santidade do amor.

[…]

Pela manhã, deixava-se estar, pensativa, em baixo da nogueira, sentada no banco de madeira roído pelo carucho e coberto de musgo cinzento, onde eles se haviam dito tantas coisas boas, tantos pequenos nadas, onde tinham construído os castelos de vento de seu formoso lar. Ela pensava no futuro, olhando para o céu pelo pequeno espaço que os muros lhes permitiam abranger; depois para o velho pano de muralha e o teto debaixo do qual ficava o quarto de Carlos. Enfim, foi o amor solitário, o amor verdadeiro, que persiste, que se esgueira em todos os pensamentos e torna-se substância, ou, como diriam nossos pais, o estôfo da vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário