quarta-feira, 28 de julho de 2010

Jens Peter Jacobsen




Niels Lyhne


O primeiro ano assemelhou-se muito ao tempo do noivado, mas à medida em que a vida em comum envelhecia, Lyhne sentia maior dificuldade em dissimular a si próprio sua fadiga: estava cansado de procurar sempre novas expressões para o seu amor; cansado de, sempre revestido da plumagem da poesia, manter as asas alçadas para a fuga pelo céu de todas as emoções e pelas profundezas de todos os pensamentos; ansiava pelo bem-estar de uma paz contemplativa, sentar-se muito quieto no seu galho e dormitar, a cabeça oculta na morna penugem sob a asa. Não concebia o amor como chama sempre desperta, crepitante, que fulgidiamente iluminasse os menores incidentes da existência, fantasticamente tornando tudo maior e mais estranho. Antes era o amor para ele, como a brasa que arde na calma, que irradia de suas brandas cinzas um calor sempre igual, que no aconchego do crepúsculo faz esquecer suavemente a distância e acende no que está ao redor um brilho mais próximo, mais familiar.
[...]
Havia muito que ela percebera, com desgosto, como minguava a opinião que fizera do marido, e como ele descia das alturas vertiginosas em que ela o colocara ao tempo do noivado.[...] procurou reconstituir o estado anterior, afogando o marido numa torrente de emoções ainda mais extraordinárias, de maiores entusiasmos; encontrou porém, tão fraca ressonância, que passou quase a sentir-se ela mesma sentimental e afetada[...] não queria acreditar no que pressentia; mas à medida que, pouco a pouco, a inutilidade dos seus esforços despertou-lhe dúvidas sobre suas próprias qualidades de espírito e de coração, passou a deixá-lo tranquilo, tornou-se fria, silenciosa e meditativa, procurou a solidão para chorar em paz as suas ilusões.

Pois agora ela verificava que se tinha enganado amargamente e que Lyhne, a rigor e no íntimo, não era diferente das pessoas que sempre conhcecera, e que aquilo que a enganara era a coisa mais comum: o amor simplesmente o envolvera por algum tempo numa fugitiva auréola de espírito e nobreza, como acontece tantas vezes às naturezas inferiores.

Lyhne tornou-se tão aflito quanto apreensivo com essa alteração nas suas relações, e esforçou-se em tentativas infelizes para reatar o antigo vôo apaixonado; o que apenas serviu para provar mais claramente a Bartolina a extensão do seu erro. 
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