segunda-feira, 26 de julho de 2010

Rainer Maria Rilke




Cartas

É impossível que haja algo mais difícil do que amar alguém - essa tem sido minha experiência recorrente. É trabalho, labuta diária, lida diária, sabe lá Deus, não há outra palavra pra isso. E a isso se acrescente que os jovens não estão sendo preparados para esse tão difícil amar. As convenções tentaram transformar essa relação mais complicada e extrema em algo fácil, frívolo e criaram a ilusão de que todos seriam capazes dela. Mas não é bem assim. O amor é difícil, e é mais difícil do que as outras coisas porque, em outros conflitos, a própria natureza nos exorta a nos concentrar e nos contrair com todas as forças enquanto há na intensificação do amor o estímulo para que nos entreguemos completamente. Mas realmente pode haver beleza nisto: entregar-se ao outro não como uma totalidade ordenada, mas casualmente, peça por peça, como por acaso se dá? Esse doar-se que tanto parece com um jogar fora e um dilacerar, pode ser algo bom, pode ser felicidade, alegria, progresso? Não, não pode... Quando manda flores para alguém, primeiro você as arranja, não é verdade? Mas os jovens amantes lançam-se uns aos outros na sua impaciência e na pressa de sua paixão e absolutamente não notam a falta de consideração mútua presente nessa entrega desordenada. Só a notam com espanto e mau humor, perante a desavença que toda essa desordem provoca entre eles. E, tão logo se instala a desunião, as coisas se tornam cada dia mais confusas; nenhum deles tem mais em torno de si algo inteiro, puro e incorrupto. E, no meio do desconsolo do dilaceramento, eles procuram manter a ilusão de felicidade (pois supõe-se que tudo isso seja em nome da felicidade). Eles mal conseguem se lembrar o que julgavam ser felicidade.

Em sua insegurança, cada um se torna mais injusto com o outro; aqueles que queriam agradar um ao outro agora se tocam de maneira prepotente e inquieta. E, no esforço de escapar do estado insustentável e insuportável de sua confusão, eles cometem o pior erro que pode acontecer às relações humanas: tornam-se impacientes. Eles se empurram para chegar a um término, a uma decisão (como crêem) definitiva; tentam determinar de uma vez por todas sua relação, cujas mudanças surpreendentes os espantaram, de modo que daí em diante ela possa permanecer 'para sempre' a mesma (como eles dizem). Esse é apenas o último erro nessa longa cadeia de equívocos entrelaçados.

Nem mesmo o que está morto se deixa determinar definitivamente(pois ele se desintegra e se modifica em sua natureza); menos ainda algo vivente e vivo pode ser tratado peremptoriamente de uma vez por todas. Viver é, precisamente, transformar-se, e as relações humanas, que são um extrato da vida, constituem o que há de mais mutável; elas sobem e caem de minuto a minuto, e os amantes são pessoas para as quais nenhum momento se iguala ao outro em sua relação e seus toques, e entre os quais não ocorre nada de habitual nem nada que já existiu uma vez, mas apenas coisas novas, inesperadas, inauditas. [...]

Os jovens [...] quando amam, não devem esquecer que são iniciantes, desajeitados da vida, aprendizes do amor - eles devem aprender a amar, e isso requer (como para qualquer aprendizado) calma, paciência e concentração!

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