segunda-feira, 5 de julho de 2010

Wislawa Szymborska





Amor Feliz

Amor feliz. Será normal,
sério ou útil?
O que retém o mundo de duas pessoas,
que nem sequer o enxergam?

Sem mérito algum, mutuamente enaltecidos,
apenas mais dois entre milhões, contudo convencidos
que tinham de ser eles. Como prêmio de quê? De nada.
A luz vem de nenhures.
Porque ilumina justamente estes e não outros?
É uma ofensa à justiça? É sim.
Transgride os princípios zelosamente coligidos?
Arrasa toda a moral? Transgride e arrasa.

Vejam lá os felizardos:
se pelo menos um pouco disfarçassem,
se para alento dos amigos, tormento fingissem!
Vejam, como se riem - ofensivamente.
Ouçam a sua fala - aparentemente inteligível.
E os seus ritos, cerimônias,
as suas recíprocas atenções requintadas
parecem uma conspiração nas costas da humanidade.

Difícil de prever, ao que isto chegaria,
se um exemplo tal pudesse ser copiado.
O que aproveitaria a religião e a poesia,
o que seria lembrado ou descuidado,
quem quereria ficar na roda.

Amor feliz. Será necessário?
O tacto e o bom senso mandam silenciá-lo
como se fosse um escândalo da alta roda da vida.
Esplêndidas crianças nascem sem o seu favor,
se assim não fosse, nem a terra se enchia,
pois afinal de contas, coisa rara é o amor.

Que negue o amor feliz,
quem amor feliz desconhecer.

Com essa fé, mais leve ficar-lhe-á viver e morrer.

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