terça-feira, 6 de setembro de 2016

Ian McEwan




Conversas entre escritores

Cheguei ao ponto que, agora, quando alguém diz que a vida se move em torno de um único princípio organizador, eu perco o interesse. Não sinto que a vida se estruture sobre nenhum princípio único. É um impulso religioso se agarrar somente a uma coisa, a uma explicação.

Aspectos do "romance inglês" a serem evitados: diálogos educados e reveladores, narrativa linear e estável, investigação ética levemente irônica, quantidades excessivas de mobiliário. 

Sempre achei que a crueldade é uma falha da imaginação. [...] Há algo que liga a imaginação e a moral. 

Um dos grandes valores da ficção é exatamente a possibilidade de entrar na mente de outras pessoas. [...] Com o romance nós conseguimos desenvolver essa forma que é muito elástica e mutável, e permite uma verdadeira investigação humana. É um olhar sem amarras voltado para nossa própria imagem, de um jeito que a ciência não consegue fazer; a religião não é confiável e a metafísica, de um ponto de vista intelectual, é muito repelente em sua superfície - o romance é nossa melhor máquina, assim como sempre foi. 

Estou interessado em como representar - claro que de uma forma muito estilizada - qual é a sensação de estar pensando. Ou como é estar consciente, ou, fatalmente, apenas semi-consciente. E como é difícil ver tudo que está acontecendo e entender tudo de uma vez só, e o quanto nossas lembranças podem influenciar o que nós aceitamos como realidade - o quanto a percepção é distorcida pela vontade. Isso é algo que acho muito interessante. As formas como nos convencemos, como nos persuadimos a confirmar uma noção pessoal ou uma posição intelectual. É por isso que gosto de psicologia evolutiva, ela fala muito sobre auto-convencimento... Na minha ficção, venho tentando indicar minha noção do quanto somos falhos - de um modo muito interessante - ao nos representarmos e "o que sabemos" um do outro

Tenho a impressão de que simpatizo com a visão segundo a qual o real - o que existe de fato - é tão rico e exigente que torna o realismo mágico uma fuga tediosa de qualquer responsabilidade artística. [...] O real, o que existe de fato, impõe muitas exigências para o escritor: como inventá-lo, como confrontá-lo ou passá-lo pelo filtro de sua própria consciência. Por isso nunca fui um grande admirador de Márquez. Gostei de O Tambor,  mas nunca da forma como gosto de Kundera, por exemplo. E me parece que o realismo mágico se tornou algo como o estilo internacional nas mobílias, uma espécie de língua franca que realmente desafia a noção central do romance, que é o fato do romance ser local. Ele é regional, é um processo que funciona às avessas e, de alguma forma, esses estilos internacionais parecem operar de modo oposto. Eles são muito parecidos uns com os outros. [...] É jogar tênis sem rede. Não tem nenhuma graça. 

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