quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Blaise Pascal




Pensamentos

806 

Não nos contentamos com a vida que temos em nós e em nosso próprio ser. Queremos viver na ideia dos outros uma vida imaginária e para isso fazemos esforço para aparecer. Trabalhamos constantemente para embelezar e conservar nosso ser imaginário e negligenciamos nosso ser verdadeiro. E, se possuímos quer a tranquilidade, quer a generosidade, quer a fidelidade, fazemos questão de mostrá-lo a fim de ligar essas virtudes ao nosso outro ser e as desligaríamos até de nós para as juntar ao outro. Concordaríamos em ser poltrões para adquirir a reputação de valentes. Grande marca do nada de nosso próprio ser não ficar contente com um sem o outro e trocar muitas vezes um pelo outro. Pois infame seria quem não morresse para conservar a honra. 

978

A natureza do amor-próprio e desse eu humano está em não amar senão a si e em não considerar senão a si. Mas que fará ele? Não poderá impedir que esse objeto de seu amor seja cheio de defeitos e de miséria; quer ser grande, vê-se pequeno; quer ser feliz, vê-se miserável; quer ser perfeito, vê-se cheio de imperfeições; quer ser objeto do amor e da estima dos homens e vê que seus defeitos só merecem a aversão e o desprezo deles. Esse embaraço em que se encontra produz a mais injusta e a mais criminosa paixão que se possa imaginar; pois ele concebe um ódio mortal contra essa verdade que o repreende e que o convence de seus defeitos. Desejaria aniquilá-la, e, não podendo destruí-la em si mesma, ele a destrói, tanto quanto pode, no seu conhecimento e no dos outros; quer dizer que coloca todo o cuidado em encobrir os próprios defeitos aos outros como a si mesmo, e que não pode tolerar que os façam ver ou que os vejam. [...]

Não é certo que odiamos a verdade e aqueles que no-la dizem, e que gostamos que se enganem em benefício nosso, e que queremos ser estimados como se fôssemos outros e não aquilo que realmente somos? [...]

Daí acontece que, se as pessoas têm algum interesse em ser amadas por nós, evitam fazer-nos algo que saibam nos ser desagradável; tratam-nos como queremos ser tratados: odiamos a verdade, escondem-na de nós; queremos ser bajulados, bajulam-nos; gostamos de ser enganados, enganam-nos. [...]

Assim, a vida humana não passa de uma ilusão perpétua; não se faz mais do que se entre-enganar e se entreadular. Ninguém fala de nós em nossa presença como fala em nossa ausência. A união que existe entre os homens não é baseada senão nessa mútua enganação; e poucas amizades subsistiriam se cada um soubesse o que o amigo diz dele quando não esta presente, embora fale então sinceramente e sem paixão.

O homem não é portanto senão disfarce, mentira e hipocrisia, tanto em si mesmo como para com os outros. Não quer que lhe digam a verdade. Evita dizê-la aos outros; e todas essas disposições, tão afastadas da justiça e da razão, têm uma raiz natural em seu coração.

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