segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Pierre Bourdieu




Lições da aula

Votado à morte, esse fim que não pode ser encarado como fim, o homem é um ser sem razão de ser. É a sociedade, e apenas ela, que dispensa, em diferentes graus, as justificações e as razões de existir; é ela que, produzindo os negócios ou posições que se dizem “importantes”, produz os atos e os agentes que se julgam “importantes”, para si mesmos e para os outros, personagens objetiva e subjetivamente assegurados de seu valor e assim subtraídos à indiferença e à insignificância. Existe, apesar do que diz Marx, uma filosofia da miséria que está mais próxima da desolação dos velhos marginalizados e derrisórios de Beckett do que do otimismo voluntarista tradicionalmente associado ao pensamento progressista. Miséria do homem sem Deus, dizia Pascal. Miséria do homem sem missão nem consagração social. De fato, sem chegar a dizer, como Durkheim, que “a sociedade é Deus”, eu diria: Deus não é nada mais que a sociedade. O que se espera de Deus nunca se obtém senão na sociedade, que tem o monopólio do poder de consagrar, de subtrair à fatuidade, à contingência, ao absurdo; mas – e aí está a antinomia fundamental – apenas de maneira diferencial, distintiva. Todo sagrado tem o seu profano complementar, toda distinção produz sua vulgaridade e a concorrência pela existência social conhecida e reconhecida, que subtrai à insignificância, é uma luta de morte pela vida e pela morte simbólicas. [...] O julgamento dos outros é o julgamento derradeiro; e a exclusão social, a forma concreta do inferno e da danação. É porque o homem é um Deus para o homem que o homem é também o lobo do homem.

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