sábado, 2 de janeiro de 2021

Arnold Hauser




 Culturas urbanas do Oriente Antigo: Creta 


A arte cretense apresenta ao sociólogo o mais difícil problema de todo o campo da arte do Oriente antigo. [...] Em todo o vasto período, no qual predominou o estilo geométrico abstrato, nesse mundo imutável de estrito tradicionalismo e formas rígidas, Creta brinda-nos com um quadro de vida livre, colorida, exuberante, embora as condições econômicas e sociais não sejam aí diferentes das que vigoram em todo o mundo circundante. Aí, exatamente como no Egito e na Mesopotâmia, déspotas e senhores feudais, detêm o poder, a cultura encontra-se toda sob a égide de uma ordem aristocrática - e, não obstante, que enorme diferença na concepção da arte como um todo! Que liberdade na vida artística, em contraste com o convencionalismo opressivo do resto do mundo do Oriente antigo. [...] Talvez a diferença resida, em parte, no papel relativamente subordinado que a religião e o culto religioso desempenharam na vida pública de Creta. [...] Mas a liberdade da arte cretense também pode ser parcialmente explicada pelo papel de extraordinária importância que a vida urbana e o comércio desempenharam na economia da ilha. [...] O caráter especial da arte cretense deve contudo ser visto, em primeiro lugar, em relação ao fato de que, no Egeu, em contraste com outras áreas, o comércio sobretudo o comércio externo, estava concentrado nas mãos de uma classe dominante. O espírito instável do mercador, sempre disposto a fazer inovações, pôde abrir caminho e progredir com menos entraves do que no Egito ou na Babilônia. [...] Tal como no Egito e na Babilônia, a arte possui um caráter inteiramente palaciano, mas o elemento rococó, o prazer no requintado e no divertido, no delicado e no elegante são mais acentuados. [...] Esse estilo cortesão e cavaleiresco facilita o desenvolvimento de formas de vida menos rígidas, mais espontâneas e flexíveis, em contraste com o rigoroso e tenso modo de vida dos velhos e predatórios barões latifundiários - um processo que se repetiu na Idade Média - ,  e produz, de acordo com os novos padrões de vida, uma arte mais individualista, estatisticamente mais livre e que expressa um deleite isento de preconceitos na natureza.  

[...]

Creta não só estimulou a arte “modernista”, mas, em certos aspectos, até antecipou a moderna arte industrial. A “modernidade” dos cretenses estava provavelmente ligada às características fabris e de produção de massa de sua arte, com vistas a um enorme mercado exportador. Por outro lado, os gregos evitaram o perigo da padronização, apesar de uma industrialização igualmente avançada; mas isso apenas vem provar que, na história da arte, as mesmas causas nem sempre têm os mesmos efeitos, ou que as causas são, talvez, demasiado números para que a análise científica logre esgotá-los por completo. 


Trecho de História social da Arte e da literatura

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