sábado, 2 de janeiro de 2021

Arnold Hauser

 



Culturas urbanas do Oriente Antigo: Mesopotâmia


O problema real da arte mesopotâmica consiste no fato de que, apesar de uma economia baseada predominantemente no comércio e na indústria, na finança e no crédito, possuiu um caráter mais rigidamente disciplinado, menos variável e dinâmico do que a arte do Egito, um país com raízes profundas na agricultura e na economia natural. 

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A maior disciplina formal da arte babilônica, a par de uma economia mais diretamente urbana e dotada de maior mobilidade, refuta porém, a tese sociológica, aliás normalmente válida sob outros aspectos, segundo o qual o estilo geométrico estrito está vinculado à agricultura tradicionalista, e o naturalismo irrestrito à mais dinâmica economia urbana. Talvez as formas mais rígidas de despotismo e o espírito mais intolerante da religião na Babilônia tenham-se contraposto à influência emancipadores da vida na cidade, isto é, pressupondo-se que a mera circunstância de existir aí apenas uma arte da corte e do tempo - que ninguém, além do governante e dos sacerdotes, poderia exercer qualquer influência sobre a prática da arte - tenha cerceado no nascedouro todos os esforços de natureza individualista e naturalista. 

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O racionalismo abstrato é praticado ainda mais sistematicamente na arte babilônica e assíria do que na egípcia. A figura humana apresenta-se não só em estrita frontalidade, com a cabeça voltada para apresentar-lhe o perfil, mas as partes características do rosto, o nariz e o olho, são consideravelmente ampliadas, enquanto os traços menos interessantes, como a testa e o queixo, são bastante reduzidos. O princípio antinaturalista da frontalidade em lugar nenhum se evidencia com maior clareza do que nos chamados “Porteiros”, leões e touros alados, da escultura arquitetônica assíria. Dificilmente se encontrará qualquer ramo da arte egípcia em que a estilização superlativa, renunciando a todo o ilusionismo, tenha sido posta em prática de forma tão inflexível quanto nessas figuras, as quais, vistas de perfil têm quatro pernas em movimento e, vistas de frente, duas pernas em repouso, cinco pernas no total, e que representam realmente a combinação de dois animais. A flagrante violação da lei natural é devida, nesse caso, a motivos puramente racionais: o criador desse gênero pretendia, obviamente, que o contemplador obtivesse de todos os lados uma imagem independente, completa e formalmente perfeita do objeto.     


Trecho de História social da Arte e da literatura


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